DIDÁTICA E ENSINO DE GEOGRAFIA HOJE: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Eduardo Rafael de Moura Pereira¹
Gustavo Henrique de Almeida Ferreira²
Anderson Oramísio Santos³
1 INTRODUÇÃO
É preciso discutir o processo didático-pedagógico, principalmente junto aos professores que estão iniciando sua carreira. Fazer uma auto-reflexão sobre a maneira de agir em salas-de-aula é sempre frutífero, pois a análise crítica de si mesmo reflete as contradições, os erros e acertos, as condições necessárias de conduzir uma aula. Muitos trabalhos discutem as práticas dos professores em sua formação ou as dificuldades que este professor encontrará nas salas de aula. Por sua vez, sempre é importante refletir sobre o processo didático, especialmente no ensino da Geografia, e como o ensino desta disciplina pode contribuir para o entendimento de mundo dos alunos. Estamos de acordo com os questionamentos de Oliveira quando ele reflete e questiona o papel dos sistemas educativos na sociedade contemporânea, e como nós, como professores, nos portamos diante da missão de transformar nossos alunos em pessoas participativas e críticas (OLIVEIRA, 2006, p. 15-16).
Refletir sobre o que é didática, e como ela deve ser encarada pelos profissionais da educação, faz parte de um assunto também obrigatório. A didática foi encarada como o ato de “ensinar tudo a todos”, e ao longo da história ela ganhou diferentes definições, conceitos, teorias, etc. Não nos cabe, neste artigo, discutir variadas correntes de pensamento. Restringiremos-nos apenas a um breve histórico da didática no Brasil, bem como relacioná-la com o ensino geográfico e traçaremos alguns caminhos para entendê-la nesse atual período caracterizado pelo predomínio de técnica, informação e ciência (SANTOS; SILVEIRA, 2008).
Especialmente em fins do século XX, e inicio do XXI, tem-se dado uma nova configuração às escolas públicas brasileiras, reflexo das políticas neoliberais e também desse meio técnico-científico-informacional. Velhos e novos desafios emergem diante do processo avassalador de globalização, que tende à homogeneização do pensamento único (SANTOS, 2006), refletido na educação pública brasileira (que também é fruto de uma política neoliberal). A escola nada mais é do que uma instância da sociedade, e nela reflete todo e qualquer tipo de mudança de paradigma. Em termos institucionais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (LDBEN) realça a importância e normatização da educação básica no Brasil. Entretanto, marcas de elitismo e de exclusão social ainda estão presentes, sendo necessário repensar o modelo de ensino, em especial o do ensino médio, que abrange outros elementos. Além da LDBEN nº 9.394/96, após o debate que gerou tal norma, cria-se em 1997 os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os quais tiveram seu processo de elaboração iniciado a partir do estudo de propostas curriculares de Estados e Municípios brasileiros, da análise realizada pela Fundação Carlos Chagas sobre os currículos oficiais e do contato com informações relativas às experiências de outros países. Foram analisados subsídios oriundos do Plano Decenal de Educação, de pesquisas nacionais e internacionais, dados estatísticos sobre desempenho de alunos do ensino fundamental, bem como experiências de sala de aula difundidas em encontros, seminários e publicações (BRASIL, 1997, p. 15).
Nos anos de 1997 e 1998 foram publicados documentos pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC), com o intuito de oferecer propostas ministeriais, tendo como objetivo orientações para as escolas formularem seus currículos, ou seja, “para a construção de uma base comum nacional para o ensino fundamental brasileiro”. Estes documentos foram denominados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1ª a 4ª séries (BRASIL. MEC, 1997) e de 5ª a 8ª séries (BRASIL. MEC, 1998), depois de ter divulgado a Versão Preliminar do documento em 1995 (BRASIL. MEC, 1995). Esses documentos foram publicados tendo “como objetivo o ensino de 1ª a 8ª séries a formação para uma cidadania democrática” observando que as escolas deveriam levar em conta suas próprias realidades (TEIXEIRA, s/d, p.1).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais se compõem de uma coleção de dez volumes, organizados da seguinte forma: – um documento denominado: Introdução, que justifica e fundamenta as opções feitas para a elaboração dos documentos de áreas e Temas Transversais; – seis documentos referentes às áreas de conhecimento: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física; – três volumes com seis documentos referentes aos Temas Transversais: o primeiro volume traz o documento de apresentação destes Temas, que explica e justifica a proposta de integrar questões sociais como Temas Transversais e o documento Ética; no segundo, encontram-se os documentos de Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, e no terceiro, os de Meio Ambiente e Saúde (BRASIL, 1997, APRESENTAÇÃO).
Os PCN (BRASIL, 1997) apresentam-se por conteúdos (Português, Matemática, História, Geografia…) com o objetivo de subsidiar ao professor a oportunidade de oferecer aos alunos um conteúdo que visa prepará-los para o mercado de trabalho e na formação de sujeitos. Na verdade, esse documento foi criado de forma “impositiva”, ou seja, não levaram em conta as especificidades regionais de cada estado da federação e, o que é mais grave, não houve participação dos professores na elaboração e discussão dos conteúdos programáticos. As discussões que surgem a partir da proposta dos PCN (BRASIL, 1997), passaram a influenciar tanto a formação dos professores – visto que sugere uma reorientação curricular, mesmo de forma implícita e o tipo de formação que se pretende para os professores – quanto à produção de livros e a elaboração de outros materiais didáticos.
No Estado de Minas Gerais, as escolas adotam como matriz curricular para o Ensino Fundamental e Ensino Médio, o Conteúdo Básico Comum (CBC – Minas Gerais), cuja proposta curricular foi regulamentada através da Resolução nº 666, de 07 de abril de 2005. O CBC – da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, cuja proposta também sugere Conteúdos Complementares, que devem ser decididos por cada equipe escolar, que examina e compõe o projeto de ensino para cada disciplina. O CBC estabelece conteúdos que devem ser desenvolvidos prioritariamente, e foram formulados para ocupar metade da carga horária disponível para cada disciplina, sendo que o tempo restante deve ser empregado para o ensino dos conteúdos complementares e/ou para o incremento de projetos pedagógicos da escola. Em pesquisa aos documentos oficiais da Secretaria de Estado de Educação (CBC, 2005), é possível perceber que a ausência dos aspectos regionais reflete, em parte, no conteúdo programático de disciplinas como História e Geografia. Os objetivos da Geografia no ensino médio perpassam na formação de sujeitos, na compreensão do espaço geográfico e a uma visão crítica de mundo. Porém, uma análise desses documentos oficiais alerta-nos para uma ausência de rigor nos conceitos, nas categorias e princípios de método para o ensino da Geografia. Cabe ao professor, buscar alternativas para suprir esse problema conceitual e procurar transmitir, da melhor forma possível, um determinado conceito para seus alunos. No momento atual, é importante destacar a inserção das novas tecnologias que possibilitam a ‘fuga’ dos adolescentes em direção a computadores, jogos e, principalmente, imagens, deixando, muitas vezes, as leituras de lado. Entretanto, o professor precisa adequar seus planejamentos e leituras, levando em consideração a realidade local desses alunos, além de incorporar estratégias de ensino (VESENTINI, 2006).
Outra informação importante é a “aceitação apressada da aparência das coisas e dos fenômenos” (OLIVA, 2006, p. 44), revelando uma ausência de postura crítica, o que coloca um grande desafio a professores, educadores e alunos. Este artigo, portanto, oferece uma contribuição para mostrar aos professores de Geografia as possibilidades e desafios que esta disciplina enfrenta nos dias atuais, enfatizando a importância de espírito crítico e uma visão de mundo que contribua na formação de sujeitos.
2 DIDÁTICA, APRENDIZAGEM, ENSINO
2.1 O que é didática?
Um dos grandes sistematizadores do significado da didática foi Comênio. No seu tratado sobre este tema, o autor definia que didática era a arte universal de ensinar tudo a todos (COMÊNIO, 1985), mas, que seu pleno desenvolvimento necessitava de uma estrutura ordenada da escola: pressupostos, métodos e procedimentos próprios, recursos instrumentais adequados, além de espaço também adequado (CASTANHO; CASTANHO, 2008). A didática surge na modernidade com a intenção de ampliar a transmissão de saberes mínimos para uma ampla camada da população. No período contemporâneo, este conceito ganha uma dimensão ainda maior, sendo responsável, diretamente, na formação de sujeitos críticos e no desenvolvimento cognitivo dos alunos. E um dos mediadores responsáveis nesse desenvolvimento é o professor, encarregado de descobrir mecanismos, metodologias e procedimentos sistemáticos do aprender a pensar (LIBÂNEO, 2004).
Neste trabalho, discutiremos mais sobre o tema, procurando relacionar a teoria sócio-histórico com a perspectiva crítica da Geografia. Portanto, uma tentativa de periodização da didática, em especial no Brasil, se faz necessário para pensarmos como ela foi sistematizada, e oferecer subsídio em torno de professores e educadores para atender à demanda contemporânea, além de contemplar um questionamento que é preciso fazer constantemente: será que nossos alunos estão realmente pensando sobre o mundo? Qual o nosso posicionamento político diante das questões contemporâneas?
2.2 Breve processo histórico da didática no Brasil Castanho e Castanho (2008, p. 5) estabelece cinco momentos da história da didática no Brasil:
1) 1549-1759: didática dos jesuítas em construção da didática pombalina do Alvará Régio de 1759 aos Pareceres de Rui Barbosa de 1882;
2) 1759-1882: da didática pombalina do Alvará Régio de 1759 aos Pareceres de Rui Barbosa de 1882;
3) 1882-1932: da didática cientificista do método intuitivo até o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova;
4) 1932-1996: da didática liberal-cientificista e alunocêntrica do escolanovismo, passando pela proposta histórico-crítica e pela crise do programacionismo e chegando ao construtivismo, até a lei 9.394/96;
5) 1996-… a didática individualista vinculada à “pedagogia das competências”, de 1996 até os dias atuais. O processo da história da didática no Brasil tem a ver com decretos instituídos pelas pessoas que estão na elite. Um processo de ensino-aprendizagem que foi estabelecido de forma hierárquica, de “cima para baixo”. No começo era uma educação destinada aos jesuítas, que mantinham residências, missões, colégios e seminários em aldeias e povoações que existiam a Companhia de Jesus (CASTANHO; CASTANHO, 2008).
Na didática jesuítica, a memorização era fundamental e também a participação de alunos e professores. Estes elaboravam uma pré-leitura, onde apresentavam as dificuldades do autor e do texto, que continha noções de matérias como história, geografia, mitologia, etnologia, arqueologia e instituições da antiguidade greco-romana. Ainda não havia uma sistematização da Geografia brasileira, mas alguns trabalhos durante o período colonial foram importantes na tentativa de conhecer o território brasileiro: destaca-se a carta de Pero Vaz de Caminha (ao rei D. Manuel) e a obra de Antonil, que destacou as principais riquezas das áreas povoadas, mostrando suas potencialidades (ANDRADE, 2006). A problemática da didática nos séculos XVIII e XIX foi diferente da didática dos jesuítas apenas no rigor e na sistematização. No mais, era idêntica à do período anterior. As lições “eram decoradas no estilo jesuítico e a palmatória era usada com frequência” (CASTANHO; CASTANHO, 2008, p. 9-10).
Em fins do século XIX emergiu a didática cientificista do método intuitivo, que fez com que os alunos pensassem cientificamente. O material didático da época ganhava um peso bastante importante no método de ensino, “porque eram as ‘coisas’(animais, plantas, rios etc.) ou suas representações (globo terrestre, mapas, cartazes de anatomia) que importavam inicialmente, não os seus conceitos, que não obstante, era o fim que se destinava a ciência” (CASTANHO; CASTANHO, 2008, p. 10). Nunca é demais lembrar que neste período está acontecendo à sistematização de algumas ciências humanas (primeiro ocorre em países da Europa Ocidental, mais tarde no Brasil), dentre elas a Geografia, que nesta passagem vemos a fundamental importância da disciplina no método didático. Alguns naturalistas visitam o Brasil em fins do período colonial e oferecem uma importante contribuição das áreas por eles percorridas, caso de Saint-Hilare (ANDRADE, 2006). Posterior a essa pedagogia cientificista, que caracterizava uma escola tradicional, arcaica e ultrapassada, novas demandas foram surgindo e o Brasil passava por uma forte industrialização e urbanização acelerada. Então, diante do contexto social, político e econômico que o país passava, surge uma nova forma da didática na escola chamada de escolanovismo. Na escola nova teríamos o protagonista sendo o aluno em interação com o professor, o problema, os dados do problema, a hipótese e a experimentação (SAVIANI, 1997 apud CASTANHO; CASTANHO, 2008).
Podemos ver ainda, nos dias de hoje, marcas desse tipo de pedagogia no ensino básico. Com a consolidação de cursos de pós-graduação em educação no país, manifesta-se uma nova didática baseada na pedagogia histórico-crítica, tendo como maior nome de expressão o pedagogo Paulo Freire. Tal método de ensino foi inspirado em movimentos populares e tinha como características: a pesquisa; os temas geradores; a problematização (tendo a ver com a realidade social); a conscientização (objetivo de atingir o “pensar crítico”) e a ação social (CASTANHO; CASTANHO, 2008, p. 13).
Em “oposição” a este método, e tendo como contexto a situação política pela qual o país transitava, surge, em meados da década de 1970 e 80, uma didática baseada na pedagogia tecnicista, que ganhou muitos adeptos. É uma didática que tem como centro as sequências dos programas, onde é considerado positivo o conhecimento dos alunos (na verdade, uma velha reafirmação do positivismo do século XIX) e muito presente nos dias atuais. Por ultimo, tem-se uma didática inspirada nos modelos neoliberais que nada mais é que um individualismo vinculado à “pedagogia das competências”, bastante presente nos PCN e nos currículos oficiais. Tal processo tem como meta formar “um professor técnico, executor de atividades rotineiras, acríticas e burocráticas” (CASTANHO; CASTANHO, 2008, p. 14) desvinculadas de um processo social mais amplo, fruto da lei das diretrizes da educação básica de 1996. Tal processo histórico da didática no Brasil ocorreu em conformidade com os anseios do movimento da sociedade, não cabendo a nós julgarmos se é certo ou errado. Talvez, o que cabe a cada professor é ter em mente este processo, sabendo do rigor conceitual de cada tipo de pedagogia, e adotar, em sala de aula, a forma que achar melhor. Ensino de geografia, aprendizagem e a didática Realizada esta historicização da didática, iremos tecer algumas considerações sobre ela, a aprendizagem e o ensino da Geografia nos dias atuais. O período atual é caracterizado por acréscimos do meio técnico-científico-informacional, sendo que o entendimento de espaço geográfico não pode desconsiderar esse dado, que é único na história (SANTOS; SILVEIRA, 2008).
O ensino, especialmente da Geografia, tem proporcionado aos professores novos acréscimos de tecnologia, deixando as aulas mais “atraentes” para seus alunos. Contraditoriamente, ainda há resquícios de uma pedagogia ultrapassada, que desqualifica o aluno para o mercado de trabalho e para a vida. É bom dizer também, que tais acréscimos tecnológicos não chegam aos lugares de forma igualitária, havendo profundas desigualdades dentro do território brasileiro. Enquanto geógrafo e também professor de Geografia, em fins do século XX e inicio do século XXI, como nos alerta Manuel Correia de Andrade, devemos utilizar nosso potencial teórico, “o domínio das técnicas modernas e o comprometimento com os altos objetivos nacionais para dar uma contribuição positiva à solução dos problemas do país” (ANDRADE, 2006, p. 13). Tal posição implica diretamente em como fazer o aluno pensar sobre o mundo. É preciso mostrar a ele que existe desigualdade social, concentração de capital, monopólio de grandes empresas e do Estado, má qualidade dos serviços públicos (contraditoriamente, o Brasil é um dos países que mais arrecada impostos no mundo), etc. Além de enfatizar conceitos, categorias e métodos do ensino geográfico. Alguns autores enfatizam a educação como instrumento de dominação ou libertação (VESENTINI, 2006), ou seja, o sistema escolar como mera instituição indispensável para a reprodução do sistema capitalista que foi fruto de uma escola criada pela burguesia que se tornava a classe hegemônica, e, por outro lado, uma escolarização que aprimore a cidadania, desenvolva o raciocínio, a criatividade e o pensamento crítico das pessoas. Contraditoriamente, o ensino também é um agente de mudanças sociais e uma conquista democrática (VESENTINI, 2006), uma vez que para grande maioria da população a educação também ajuda na melhora da qualidade de vida e acesso a um determinado padrão de consumo. Ainda segundo o mesmo autor, o ensino precisa ser levado a todas as camadas da população, não só por uma elite, para a plena expansão capitalista, agora fundamentada num ensino “construtivista”, mas para levar as pessoas a pensarem por conta própria, aprendendo a enfrentar novos desafios, criar novas respostas a questões cotidianas (VESENTINI, 2006).
Para transformar esse ensino em instrumento de libertação é preciso, no caso especial da Geografia, ter em mente o objeto de estudo desta disciplina. É primordial que a “compreensão do espaço geográfico não seja algo externo à sociedade” (OLIVA, 2006, p. 36), e sim intrínseco a ela. O debate sobre a diversidade de autores que já escreveram sobre o tema se faz necessário para que o professor tenha um domínio, pelo menos inicial, das principais idéias de cada autor. O diálogo sempre é proveitoso e, para se atingir uma libertação individual, se faz bastante necessário. Porém é preciso, como nos alerta Oliva (2006), não cair na ingenuidade de naturalizar conceitos que ainda persistem em livros didáticos. Sabemos que o livro didático é o principal meio de transmissão de conhecimento no ensino médio. E aí mora o perigo, que é o professor ficar somente nesta fonte de pesquisa. Um dos grandes problemas desse meio de formação do aluno é a visão fragmentada da Geografia, muito relacionado com o modo de pensar clássico (MOREIRA, 2011). Outro perigo no ensino da Geografia no Ensino Médio, e que tem a ver com o movimento de renovação desta disciplina, é a famigerada ideia de que no ensino médio não pode ter “uma linguagem acadêmica, conceitual, abstrata e sim concreta, mais perto da vida do aluno…”. Na verdade, é um preconceito camuflado que nos faz crer que o “acadêmico, o teórico e o abstrato, estão longe da realidade” (OLIVA, 2006, p. 43).
É preciso muita teoria para compreender a realidade e se distanciar cada vez mais da geografia tradicional. Por exemplo, enfatizar nas aulas temas como os sistemas técnicos, redes geográficas, a cultura, o consumo, o Estado e a política, a segregação espacial, a globalização, conflitos étnicoculturais, blocos econômicos, poder da informação, dentre muitos outros. Diante do processo de globalização que caracteriza-se pela informação, técnica e ciência, o material didático da Geografia se (re) define: por exemplo, a influência da mídia no ensino geográfico. Diante do grande número de informações que recebemos, algumas fazem parte dos temas de estudo da Geografia: meio ambiente, economia, focos de tensão, população, mobilidade urbana, etc. O conteúdo da mídia reforça esse “preconceito camuflado diante da ausência de teoria na sala-de-aula, por prevalecer, muitas vezes a forma em detrimento do conteúdo” (LEÃO; LEÃO, 2008, p. 41).
É necessário que o professor trabalhe temas de interesse geral com seus alunos, utilizando a informação midiática como instrumento (referência) no sentido de ampliar o conhecimento geográfico do aluno. Também é possível, através da mídia, superar a dicotomia entre físico e humano (embora a geografia crítica “priorizasse” fatores humanos em detrimento dos fatores físicos, houve uma ruptura no ensino, visto que a dicotomização se agravou) e aprofundar o conhecimento geográfico por inteiro (LEÃO; LEÃO, 2008). Há estudos em outras áreas do conhecimento (especialmente psicologia e filosofia) que oferecem contribuições acerca do objetivo de fazer com que o aluno pense criticamente sobre os assuntos mais correntes da vida. Iremos aqui nos restringir à discussão numa teoria que oferece pistas para o entendimento crítico de mundo: a teoria histórico-social (LIBÂNEO, 2004). A didática tem o compromisso com a busca da qualidade cognitiva dos alunos, associada à aprendizagem do pensar. Cabe investigar como ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes e críticos, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, diante de dilemas e problemas da vida prática. O professor é mediador na aprendizagem dos alunos. O conhecimento supõe o desenvolvimento do pensamento e desenvolver o pensamento supõe metodologia e procedimentos sistemáticos do pensar (LIBÂNEO, 2004).
Outra contribuição que remete ao conhecimento está na filosofia, que é a concepção dialética da história, na qual todos os indivíduos são filósofos. Tal teoria, inspirada em Gramsci, revela que todos os indivíduos devem criar sua própria personalidade, tomar consciência dos princípios do senso comum para se chegar a uma construção de um entendimento coerente orgânico e sistemático de compreender a realidade (LUCKESI; PASSOS, 1996). O professor (mas também cada indivíduo da sociedade), portanto, deve partir da experiência vivida, do cotidiano, dos seus desejos e aspirações, “criticando-a e transformando-a em uma forma coerente de compreensão e entendimento” (LUCKESI; PASSOS, 1996, p. 103) de mundo. É necessário, no período atual, que cada indivíduo tome consciência da época que vivemos, sem esquecer-se do contexto sócio-histórico. A definição de educação escolar se aproxima um pouco da ideia da compreensão de mundo, ou seja, é “o processo pelo qual o professor e o aluno se relacionam com o mundo através das relações que travam entre si na escola e nas ideias” (MOREIRA, 2011, p. 105). Para finalizar, o geógrafo Milton Santos também oferece uma contribuição em relação à aprendizagem:
Para ter eficácia, o processo de aprendizagem deve, em primeiro lugar, partir da consciência da época em que vivemos. Isto significa saber o que o mundo é e como ele se define e funciona, de modo a reconhecer o lugar de cada país no conjunto do planeta e o de cada pessoa no conjunto da sociedade humana
3 LDBEN, CURRÍCULOS DE GEOGRAFIA E A PERSPECTIVA CRÍTICA DA DISCIPLINA
3.1 Os currículos oficiais do Estado no período de globalização.
As mudanças político-educacionais vivenciadas no Brasil a partir de 1990, relacionadas à reforma curricular, tiveram como destaque a produção de documentos curriculares que servissem de balizamento para as reformas em andamento, os PCN. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio constituem um documento norteador do planejamento do ensino das várias disciplinas nas escolas. A Geografia encontra-se inserida na quarta parte do documento, respectivamente em Ciências Humanas e suas Tecnologias. A modificação no currículo implica uma nova dinâmica no ensino, muitas vezes sem considerar a atual demanda de grande parte da sociedade, homogeneizando as diferentes realidades vividas, não levando em conta as especificidades de cada região, lugar. A reforma curricular de uma disciplina escolar traz consigo elementos da ideologia dos propositores deste documento oficial. Em relação aos PCN, é percebida a materialização dos pensamentos de direita influenciada pelas políticas neoliberais (ANDRIOLI, 2002). Analisando o documento Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio – PCNEM – (BRASIL, 1999), na área de Ciências Humanas (Geografia, História, Sociologia e Filosofia), especificamente ao que se refere à disciplina Geográfica, pode-se observar o discurso sobre a importância de conseguir uma interdisciplinaridade entre os conteúdos ensinados. Tal discurso é amparado pela afirmação da existência de certa dificuldade de se relacionar os diferentes conteúdos, sendo assim, necessário enfatizar o diálogo e o intercâmbio entre as mesmas, promovendo desta forma uma “integração curricular”. No entanto, o documento é incisivo ao afirmar que a produção do conhecimento está cada vez mais integrada, visto que, a nova organização curricular busca controlar os conteúdos, almejando a escolha e a integração dos mesmos com intuito de promover o desenvolvimento pessoal e o incremento da participação social. É bem verdade que essa tentativa de interdisciplina entre os conteúdos está balizada em temas inspirados no modelo espanhol de educação, que foi incorporado nos PCN (BRASIL, 1997).
Os PCN (BRASIL, 1997) trazem um importante questionamento sobre a contribuição do conhecimento geográfico para a plena formação do educando. De acordo com o documento, no Ensino Fundamental, o papel da Geografia é “alfabetizar” o aluno espacialmente em suas diversas escalas e configurações, dando-lhe suficiente capacitação para manipular noções de paisagem, espaço, natureza, Estado e sociedade. Já no Ensino Médio, o aluno deve construir competências que permitam a análise do real, revelando às causas e efeitos, a intensidade, a heterogeneidade e o contexto espacial dos fenômenos que configuram cada sociedade. A distinção que aqui se faz é que não se deve compreender o Ensino Médio apenas dentro da ótica de simples continuação do Fundamental ou da redução de um curso de graduação. O Ensino Médio é o momento de ampliação das possibilidades de um conhecimento estruturado e mediado pela escola que conduza à autonomia necessária para o cidadão. Assim, a Geografia contribui para esta formação, proporcionando ao aluno o desenvolvimento de uma consciência critica a respeito dos acontecimentos mundiais, fazendo com que eles percebam a sua relação com a configuração do espaço geográfico, reconhecendo as contradições e os conflitos econômicos, sociais e culturais, o que permite comparar e avaliar qualidade de vida, hábitos, formas de utilização e/ou exploração de recursos e pessoas, em busca do respeito às diferenças e de uma organização social mais equânime. Para, a partir desta perspectiva, poder tornar o aluno sujeito do processo ensino-aprendizagem. Incentiva-se o aluno a compreender as mais variadas escalas: local, regional, nacional e global.
A autonomia que a identidade do cidadão confere é necessária para expressar sua responsabilidade com o seu “lugar-mundo”, através de sua identidade territorial. O Ensino Médio deve orientar a formação de um cidadão para aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Isto é, deve buscar um modo de transformar indivíduos em pessoas com pleno exercício da cidadania, cujos saberes se revelem em competências cognitivas, sócio afetivo e psicomotores e nos valores de sensibilidade e solidariedade necessários ao aprimoramento da vida social. Damiani (2006) compreende a cidadania num envolvimento da sociedade civil e suas formas de apropriação do mundo produzido por ela, para além das formas de representação política; contudo, posições hierárquicas consolidadas, nos quais uns têm poder e outros não o detêm, comprometem a ideia de cidadania. Entendemos que, ao se identificar com seu lugar no mundo, ou seja, o espaço de sua vida cotidiana, o aluno pode estabelecer comparações, perceber impasses, contradições e desafios, do nível local ao global. Sendo mais agente problematizador que explicativo, poderá lidar melhor com o volume e a velocidade das informações e transformações presentes, que, se tomadas superficialmente, contribuem para o individualismo e a alienação. Uma das importâncias dos PCN (1997) é a retomada das categorias de análise da geografia em todos os ciclos do ensino. No Ensino Médio os conceitos de paisagem, lugar, território e territorialidade são bastante destacados, com o intuito de relacionar com as diferentes escalas cartográficas e geográficas. Outro conjunto de conceitos fundamentais para a compreensão da dinâmica do espaço abordados pelo documento se refere à globalização, técnica e redes. Sendo assim, o PCN (1997) se configura como elemento norteador da organização curricular e da definição das competências e habilidades básicas a serem desenvolvidas no Ensino Médio, a partir dos referenciais postos pelo conhecimento científico da Geografia. É reconhecida a “beleza” do discurso trazido pelos PCN (1997), bem como a sua boa organização textual e estruturação dos conteúdos a serem considerados em cada fase do ensino. Entretanto, no que diz respeito ao ensino médio, é necessário considerar as Resoluções SEE nº 1.025 e 1.255, as quais determinam o incremento de outras disciplinas na grade curricular sem o aumento da carga horária. Neste contexto, o espaço destinado ao ensino de Geografia em uma determinada fase do Ensino Médio é diminuído em prol do ensino das outras disciplinas inseridas no currículo. Os conteúdos propostos pelo documento são extensos, considerando a carga horária destinada à geografia, fazendo com que eles sejam abordados de forma bastante superficial, deixando de cumprir o papel principal da geografia, que é o de formar cidadãos dotados de conhecimento e de uma consciência critica. Os autores dos PCN (1997) de Geografia asseveraram, nos encontros e congressos da área, terem buscado a pluralidade no que diz respeito ao embasamento teórico-metodológico. Essa afirmação é contestada por muitos geógrafos – principalmente por aqueles que se preocupam com o ensino da disciplina – por causa do ecletismo que ela sinaliza, corroborado pelo fato de que o documento utiliza, em diferentes momentos, asserções de variadas correntes de pensamento geográfico. Outros críticos sustentam haver nele o predomínio de uma visão sociocultural na compreensão da sociedade, sendo minimizada a perspectiva socioeconômica (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009).
Mas, aquilo com o que a maior parcela da comunidade científica não concorda mesmo, é que as propostas venham sem que os professores tenham discutido a velocidade das transformações mundiais contemporâneas e a escola seja submetida à concorrência, à competição e à produtividade como se fosse uma empresa capitalista dos tempos atuais. Não se pode ignorar a complexidade que envolve as ciências ditas humanas, como a História e a Geografia, decorrentes do próprio movimento da sociedade (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009). Com uma forte inspiração no PCN (1997), que “rege” os currículos educacionais no país, em Minas Gerais altera-se, a partir dos anos 2000, a organização da educação no Estado. No que diz respeito ao Ensino Médio, o documento “Novo Plano Curricular – Ensino Médio” (2006) assinala as novas demandas da educação em todos os municípios mineiros. Uma mudança foi a reorganização dos currículos desta etapa do ensino básico, por meio dos Conteúdos Básicos Comuns (CBC, 2006) que passam a ser implementados, preferencialmente, nas escolas de referência. O Ensino Médio foi estruturado em dois níveis para permitir uma primeira abordagem mais geral. A importância dos CBC é justificada pela elaboração da avaliação anual do Programa de Avaliação da Educação Básica (PROEB), o Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE) e para o estabelecimento de um plano de metas para cada escola. Neste ambiente de novas demandas são configurados os CBC, proposta curricular que orienta os professores do Estado de Minas Gerais a respeito dos “conhecimentos, das habilidades e das competências” que os alunos devem adquirir ao final de cada ano letivo. Segundo este documento, o estabelecimento desse currículo é uma condição indispensável para o sucesso de todo sistema escolar que pretenda oferecer serviços educacionais de qualidade à população (CBC, 2006).
Esta recente proposta curricular para o Ensino Médio de Geografia, se deu a partir da reorganização de cada conteúdo escolar, seguindo as orientações dos PCN e com vistas na adequação às ‘novas demandas da educação mineira’, tal como definido no “Novo Plano Curricular – Ensino Médio” (CBC, 2006). No Ensino Médio em Minas, a Geografia se apresenta como conteúdo obrigatório somente no primeiro ano, sendo opcional o oferecimento da disciplina nas demais séries dessa faixa de escolarização. Nestas, o aluno pode optar por uma das áreas temáticas, ciências humanas, exatas ou biológicas, que devem ser oferecidas pela escola. Tal “imposição” implica, indiretamente, na desvalorização do ensino de Geografia e uma postura do Estado que visa formar pessoas para o mercado de trabalho. O CBC de Geografia se organiza em quatro eixos temáticos respectivamente: problemas e perspectivas do urbano; as transformações do mundo rural; mutações no mundo natural; os cenários da globalização e fragmentação. Todos estes conteúdos devem ser trabalhados ao longo do ano letivo. Os eixos temáticos foram organizados num quadro onde são colocados os tópicos a serem trabalhados e as habilidades a serem desenvolvidas. O CBC apresenta um discurso bastante atraente e, a partir de sua leitura é possível concluir que, ao tratar de cada um dos temas, seu propósito parece ser o de contribuir para a formação de uma consciência crítica tanto dos professores quanto dos alunos. A forma como é estruturado o CBC e organizados os temas a serem abordados, evidencia a maneira simplificadora dos conteúdos a serem ensinados e a falta de rigor conceitual em alguns temas extremamente importantes para o entendimento de mundo. A criação destes documentos demonstra a imposição de idéias e valores, sem levar em consideração aspectos da realidade vigente. Assim, a escola e os futuros professores se configuram como possíveis e importantes pontos de resistência a essas práticas impositivas e muitas vezes prejudiciais à construção de uma educação mais comprometida com a cidadania, à mudança de pensamento e uma ação social voltada para a elaboração de políticas públicas que atendam à necessidade de todos. Entretanto, é preciso se apropriar desta situação na tentativa de propor mudanças ou mesmo tirar algum aproveito, no intuito de construir uma sociedade melhor, pela qual travamos uma verdadeira batalha diária, que só conseguiremos vencer por meio de uma educação de qualidade.
Assim, os currículos podem ser uma alternativa a ser trabalhada, onde o professor deve propor alternativas de conteúdo a oferecer aos seus alunos. 3.2 Objetivos do ensino médio e a corrente crítica da Geografia como possibilidade de mudança de pensamento e ação social O ensino Médio das escolas públicas brasileiras tem revelado um caráter extremamente desafiador para as próximas gerações: propor políticas que solucionem o problema do índice de evasão de estudantes e o baixo número de matrículas. Muitos estudos trazem como justificativa desse abandono e ausência das pessoas de faixa etária de 15 a 17 anos na escola, a questão da desvalorização das escolas públicas (e consequentemente de seus profissionais), a ausência de programas que viabilizem condições econômicas dos estudos e falta de perspectiva de continuidade (DALRI; MENEGHEL). Segundo os dados oficiais (IBGE, 2007), menos da metade da população da faixa etária correspondente ao ensino médio, está na escola, o que corresponde a cerca de 50%, havendo forte discrepância na presença de ricos e pobres na escola. Diante desse quadro de desigualdade em relação ao acesso ao ensino médio e à permanência do aluno na escola, o que a Geografia tem a oferecer nesta etapa de ensino? Vimos que nos documentos oficiais (PCN e CBC), há forte predomínio da questão da formação da cidadania e da formação dos sujeitos. Outro fator fundamental é conscientizar os alunos para que, futuramente, estes possam saber reivindicar seus direitos básicos. Também cabe ao professor (claro que não somente a ele, mas a um conjunto de pessoas engajadas com o social), mostrar aos alunos como é de extrema importância para as cidades brasileiras o investimento em planejamento urbano, a questão da mobilidade urbana (priorizar o transporte público e não o particular), como é fundamental para o desenvolvimento de um país ter mais escolas de excelência, produzir a própria tecnologia, ter mais espaços de saúde, etc. Não apenas num cunho simplista, mas com base argumentativa, expor a necessidade de desenvolvimento social, político, econômico, ambiental e cultural de um país. Eis uma tarefa árdua, mas que é imprescindível! O objetivo da Geografia deve ser deixado bem claro: “conhecimento da natureza e das leis do movimento da formação econômico-social por intermédio do espaço” (MOREIRA, 2011, p. 63). Yves Lacoste, em seu famoso livro “A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”, mostra como o saber geográfico é importante na manutenção do poder, tanto para o Estado quanto para as grandes empresas. Quer dizer, o saber espacial esconde uma estratégia e uma ideologia que mantêm as relações de dominação (LACOSTE, 1988).
Resgatar essas ideias se mostra necessário para o professor de Geografia no século XXI, pois as relações capitalistas escondem profundas desigualdades sociais e territoriais, impactando diretamente sobre o território, sobre a sociedade. Mostrar essas contradições também é tarefa do professor. O grande legado espacial da Geografia é mostrar, através do ensino, que o espaço geográfico é o objeto de estudo desta disciplina. E que nele se esconde um grande saber. É parte da estrutura que controla a sociedade, é a relação entre arranjo espacial e o contexto social, e que inserido no campo da transformação social, juntamente com outros estudiosos sociais, busca-se resolver os problemas sociais mais candentes de nossa época (MOREIRA, 2011, p. 62-63). O professor de Geografia é convidado a “desvendar máscaras sociais” para seus alunos, e a escola deve proporcionar uma atitude de consciência crítica dos homens e das mulheres em busca de uma nova forma de sociedade (MOREIRA, 2011, p. 118).
As possibilidades de trabalhar Geografia com esse objetivo não se esgota apenas nos modelos didáticos tradicionais. Trabalhar com a mídia, a internet, as novas tecnologias de informação geográfica, são recursos que a escola pode oferecer ao aluno, com o intuito de “fugir” da aula tradicional, sem perder, contudo, o enfoque crítico da disciplina e despertar o desejo dos alunos na ciência geográfica. E diante disso, poder transformar a realidade através de teoria e de ação social (pois teoria e prática são indissociáveis). Eis uma possibilidade (e também um desafio) para o ensino da Geografia nos dias de hoje.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há muito que mudar no ensino, especialmente na Geografia. Tal disciplina estudada na escola, muitas vezes não é abordada da forma desejada, ou seja, de forma que vise uma transformação social, escondendo, assim, uma potencialidade incrível, um conhecimento espacial que guarda informações imprescindíveis para o desenvolvimento econômico, social, politico, cultural, ambiental do país. Portanto, a Geografia tem importantes desafios a superar neste século XXI. Despertar a visão crítica do aluno a partir das constatações que a ciência espacial nos legou, é fundamental para o desenvolvimento da disciplina. Vimos que a filosofia e outros campos das ciências humanas contribuem para um entendimento crítico de mundo. O conhecimento espacial, que somente a Geografia pode proporcionar, oferece bases para um aprofundamento de tal visão crítica, visto que a realidade é apenas uma, porém, varias interpretações podem ser realizadas e dependerá de cada indivíduo optar para uma que pense ser a mais adequada, levando em consideração suas aspirações, seus objetivos e anseios. Destacam-se, também, a título de consideração final (apenas neste breve ensaio), as condições “precárias” das salas-de-aula da maior parte das escolas públicas brasileiras. Fruto de uma politica mais incisiva sobre a educação, o professor acaba não desenvolvendo todo seu potencial diante de tais dificuldades. Por isso, a Geografia crítica (e não somente esta disciplina) acaba ficando apenas no “discurso”, desperdiçando todo um legado histórico de debates teóricos acerca da renovação desta disciplina. Fruto também de uma educação voltada ao neoliberalismo, que coloca em segundo plano as disciplinas humanas e científicas, a Geografia acaba se transformando numa disciplina “inútil”, com quase nenhuma aplicação prática fora do âmbito escolar. É uma realidade que foi aferida por Lacoste, ainda na década de 1970, mas que infelizmente até hoje persiste! Mas acreditamos que o conhecimento é imprescindível para a formação crítica dos sujeitos, para o desenvolvimento pleno da cidadania, para a compreensão da atual globalização, da perversidade do capitalismo, das contradições sociais, econômicas e políticas no âmbito do território nacional e no âmbito global. E também é importante a reflexão de cada professor, cada educador, diante da sua nobre profissão de transmitir conhecimento. Há muitos problemas nos currículos oficiais, porém, cada professor deve conduzir a sua aula de forma independente, em que tenha um domínio do conteúdo, da teoria, das categorias, enfim, de um vocabulário geográfico que possa despertar o interesse de cada aluno. A liberdade que todos temos é a liberdade de criar, de inovar, de ousar, indispensável a um bom ensino, mas que também é indispensável à reprodução ampliada do capital (VESENTINI, 2006). Que possamos ter em mente o processo ensino–aprendizagem como outra possibilidade de pensarmos o mundo de forma mais “humana e solidária”, e assim poder transformá-lo através de uma verdadeira mudança social que está a caminho.