– Acabei de chegar da casa do seu avô. Ele quer falar com você.
Disse meu pai assim que me viu.
– O vovô? O que ele quer? O que eu fiz pai?
Respondi quase sem voz, procurando seu amparo!
– Sei lá. Ele te espera amanhã. 8 horas!
Afirmou de maneira lacônica, mas percebi honestidade nas palavras. Meus avós, pertenciam a um fluxo migratório de italianos que vieram para o Brasil pouco antes da 2 Guerra Mundial – talvez se eles ficassem por lá eu não estaria aqui escrevendo isso. Meu avó, patriarca dos “Mannarinos”, era um homem de poucas palavras e de semblante sério.
– Será que foi porque eu corri na frente dele no último domingo? A culpa foi da minha Rose (minha prima), pois ela me empurrou e nesse caso ela deveria ser chamada também, ou pode ser que ele tenha me visto apanhando uva no seu pomar, e nesse caso a culpa é da Rose também, pois a idéia foi dela. Pensei!
Foi uma noite longa e no dia seguinte, logo após a um amargo café, fui em direção ao meu martírio – a casa dos meus avós fica próxima.
– Tenho certeza que foi aquela corrida em frente a cadeira dele. Ele não gosta disso. Mas isso é uma injustiça. Ela tem que ser chamada também. A culpa é dela!
Disse meu irmão antes de me desejar sorte.
– Ela me empurrou. Maldita Rose.
Resmunguei baixinho. Chorei, enxuguei minhas lágrimas, ergui minha cabeça e resolvi enfrentar o maior problema pessoal nos meus 11 anos de vida. Entrei na casa de meus avós pela cozinha.
– Seu avô te espera no pomar!
Disse minha avó. Sem nenhuma piedade.
– Sua benção minha avó.
Consegui dizer. É uma tradição na nossa família pedir a benção dos mais velhos. Isso vale para avós, pais e tios. Fui em direçaõ a parte dos fundos da casa. O pomar era um local onde meu avô passava quase todo dia cuidando de árvores frutíferas – algumas de origem europeia como uva e maça, de plantas ornamentais e também criava vários animais. Era sua “Itália” e somente em datas especiais, franqueado para visita de todos. Isso me deixou mais apreensivo ainda, pois sabia que era um local sagrado para ele.
– Maldita Rosemeri! Malditas uvas…
Esbravejei bem baixo.
Cheguei de mansinho. Meu avô estava sentado dando milho para as galinhas. Esperei alguns segundos. Não sabia como agir.
– Sua benção meu avô!
Não sei como consegui falar aquilo. Ele olhou para trás e disse.
– Deus te abençoe! Te chamei aqui porque vou te ensinar a plantar. Use essa enxada.
Peguei a enxada, devia ter sido feita sob medida, pois seu cabo era menor e sentei para ouvir sua explicação. Perplexo assiti meu avô, com muito humor, falando dos tempos de garoto na Itália, da vida no campo, das dificuldades, e depois emendou uma fantastica aula de cultivo de plantas. Falou da importância de arar a terra. Explicou a forma correta de usar a ponta da enxada – podemos fazer sulcos diferentes na terra com ela. Técnicas de irrigação. Me explicou como irrigar uma planta sem compactar o solo. Formas de proteger um fruto, uso de adubos, enfim, foi uma manhã mágica repleta de ensinamentos. No final, lembro bem, disse com aquele forte sotaque italiano.
– A enxada é sua. Você deve trabalhar a sua terra. Não esqueça.
Confesso que não entendi o significado das palavras e fui embora depois de pedir novamente sua benção.
Cheguei em casa aliviado.
– Rose, perdão!
Gritei de felicidade.
Deixei a enxada num canto do meu quintal. Nunca a usei para nada. Até que ela enferrujou e se perdeu.
Os anos se passaram, me encontrava sem rumo, resolvi me confortar no velho pomar do meu avó. Queria respostas e observando a enorme mangueira que plantamos juntos. Me questionei.
– Eram mais de 10 netos, por que ele resolveu me ensinar a plantar?
Falei baixinho enquanto olhava o vento dobrando os galhos da velha árvore e a frase na despedida ecoou em minha mente nesse momento,
“Você deve trabalha a sua terra”
Foi ai que eu descobri uma metáfora dentro dela. A minha terra eram meus projetos, meus sonhos. As coisas só ocorreriam na minha vida se eu tomasse as rédeas dela nas mãos. Teria que trabalhar a minha terra se quisesse colher meus frutos. Depois disso resolvi voltar a estudar, estudar e estudar. Após alguns meses prestei vestibular e foi aprovado em duas universidades públicas. Escolhi o magistério e me sinto muito feliz com a decisão. Hoje eu tenho uma enorme paixão pelo cultivo de plantas e penso terminar meus dias num belo pomar.
Obrigado vô Fernando!
A história é quase verdadeira. A idéia de roubar as uvas era minha.
(memórias do lugar)
Luciano Mannarino
–