Crise global desafia a principal iniciativa da política externa chinesa (atividade)

11.jun.2020 às 23h15

Em 2013, Xi Jinping anunciou o que viria chamar de “projeto do século” — uma iniciativa, estima-se, de pelo menos US$ 1 trilhão (R$ 4,98 trilhões) em infraestrutura ao redor do mundo.

Eis que, pouco depois da largada, a Iniciativa do Cinturão e da Rota (ou BRI, sigla para Belt and Road Initiative) encontraria no caminho uma crise econômica de proporções colossais.

Como a mudança de circunstâncias afeta a principal iniciativa da política externa chinesa sob Xi Jinping?

Trabalhador de empresa chinesa de ferrovias atua em serviço para expandir capacidade de trens de carga entre a China e a Europa em Jinan, província de Shandong
Trabalhador de empresa chinesa de ferrovias atua em serviço para expandir capacidade de trens de carga entre a China e a Europa em Jinan, província de Shandong – Wang Kai – 10.mai.20/Xinhua

O que está em jogo para a China, que investiu capital político para obter apoio de mais de 130 países e que está investindo recursos financeiros em ferrovias, rodovias, portos, energia e conexão digital sob o selo da BRI?

A realidade é que, com uma recessão iminente, muitos dos que recebem esses investimentos não terão condições de arcar com seus compromissos. Como Paquistão e Egito, vários outros recentemente pediram à China a renegociação de suas dívidas.

Os financiamentos da BRI costumam contar com ativos importantes em garantia, como minas e portos, inclusive porque normalmente quem toma esses empréstimos tem risco de crédito alto. A China pode recorrer a essas garantias se necessário —mas com custo político alto neste momento de enormes dificuldades para países mais pobres.

Em 2017, num episódio emblemático, os chineses assumiram por 99 anos o controle do porto de Hambantota, no Sri Lanka, quando o país não conseguiu honrar os compromissos financeiros.

Pequim sabe que enfrenta uma dose de desconfiança em relação à BRI, mesmo que Hambantota tenha sido um episódio absolutamente isolado. Autoridades chinesas lembram que várias iniciativas avançam bem ou já foram concluídas com sucesso, como o caso da revitalização do Porto de Pireus, na Grécia.

Com a recessão atingindo países parceiros, a China enfrenta decisões difíceis sobre a BRI.

Se for flexível a ponto de perdoar as dívidas, enfrentará críticas internas. As finanças do país também estão sob pressão e, ademais, alguns sempre questionaram a aplicação desses recursos vultosos no exterior.

Se for rigorosa no cumprimento dos acordos, estará sujeita, no plano externo, a acusações de comportamento econômico predatório. Além disso, colocará em xeque as boas relações com os países receptores dos investimentos, um objetivo chave da BRI.

A China deve tomar o caminho do meio, equilibrando-se entre preocupações internas e externas, entre prioridades econômicas e políticas.

Isso significa flexibilizar prazos e juros, mas sem chegar ao ponto de transformar empréstimo em doação. Também deve evitar a execução de garantias que levem à apropriação de ativos estrangeiros.

É de se esperar que a China tire o pé do acelerador e aproveite a oportunidade para promover ajustes de rumo na BRI.

Deve fazer uma depuração dos projetos, evitando os mais arriscados. Deve acentuar ênfase em projetos de infraestrutura digital e economia verde —uma inflexão que já buscava fazer. Dado o momento, acrescentará à iniciativa projetos na área da saúde, promovendo a “Rota da Seda da Saúde”.

Desde seu lançamento, a BRI foi visto como um conceito vago, a começar pelo seu próprio nome.

Pois como muito na China, ideias elásticas, com foco e regras flexíveis, permitem ajustes de rumo, conferem margem de ação para o governo.

Esta é uma das horas em que a plasticidade da conceito do BRI mostra seu valor. Até porque suspender o projeto do século não é uma opção.

Tatiana Prazeres

Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.

Questões

1. O que consiste a “diplomacia da armadilha da dívida” e como ela vem gerando uma desconfiança nos países que recebem vultosos empréstimos chineses para realizar obras de infraestrutura?

2. Por que a China tem grande interesse em investir em portos, ferrovias, rodoviais em países que tem grande recursos naturais?

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s