A Geografia Escolar no Contexto Brasileiro
Referenciando-se ao contexto brasileiro, Rocha (2000, p.129) explica que “até o século XIX, os conhecimentos geográficos ensinados nos estabelecimentos educacionais existentes no Brasil não estavam organizados a ponto de constituírem uma disciplina escolar específica”. Esse autor explica ainda que, no Brasil, durante o monopólio da educação jesuítica, a Geografia não teve assento nas escolas como matéria. Foi somente após a criação do Imperial Colégio Pedro II, em 1837, localizado no Rio de Janeiro (antiga Corte), que
[…] a disciplina Geografia passa a ter um novo status no currículo escolar. Influenciado pelo modelo curricular francês, no novo estabelecimento de ensino predominavam os estudos literários, mas apesar de não serem a parte mais importante daquele currículo estavam presentes as Ciências Físicas e Naturais, a História, as Línguas Modernas e a Geografia.
Durante quase todo o Período Imperial, o ensino de Geografia manteve-se quase que inalterado em suas características principais, tendo sofrido poucas alterações no que diz respeito ao conteúdo ensinado ou mesmo na forma de ensinar. Praticou-se durante todo o período, a Geografia escolar de nítida orientação classista, ou seja, a Geografia descritiva, mnemônica, enciclopédica, distante da realidade do(a) aluno(a). (ROCHA, 2000, p. 131).
No contexto brasileiro, nos anos 1930, é esta a posição teórico-metodológica da maioria dos livros didáticos e, em praticamente, todos os departamentos de Geografia do Brasil, assim confirma Oliveira (2005, p.26).
Mediante os conceitos de pátria, povo, nação e território, por exemplo, a Geografia escolar brasileira passava a imagem de um país harmônico, exuberante, gigante e com um povo forte totalmente desprovido de conflitos sociais. Segundo Vlach (2005, p. 195), “a ideia de território dissimulou as ações concretas dos líderes (políticos, intelectuais etc.) que conduziam, ‘de cima para baixo’, a construção da nação e do cidadão para consolidar o Estado brasileiro, dissimulando mesmo o fato de que o Estado construía a nação brasileira”.
Essas ideologias apregoadas no estudo desses conceitos legitimavam os ideais do Estado nacional, cujo objetivo principal era efetuar a harmonia e o controle social, camuflando assim os conflitos sociais.
O Colégio Pedro II representou importante elemento do projeto civilizatório do Império, de fortalecimento do Estado e formação do Brasil. Como agência oficial de educação e cultura, co-criadora das elites condutoras do País, essa instituição foi criada para ser modelo da instrução pública secundária do Município da Corte e demais províncias, das aulas avulsas e dos estabelecimentos particulares. (ANDRADE, 2012).
Como se reporta Zotti (2004, p.46), “a primeira matriz curricular do Colégio Pedro II foi determinada pelo regulamento de 31/1/1838”. Silva (2012, p.66) assinala que a Geografia aparece no currículo vinculada aos compêndios de Geografia e outros trabalhos, como, por exemplo, os de Delgado de Carvalho, que lecionou no Colégio Pedro II e publicou vários livros. Silva prossegue explicando que, historicamente “a Geografia francesa firmou-se no país a partir dos primeiros compêndios produzidos por brasileiros, embora dominados por conteúdos da Geografia francesa”. (2012, p.69).
Os princípios da corrente de pensamento geográfica de origem francesa passaram a influenciar amplamente a Geografia brasileira quando da criação da FFCL/USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo), em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, absorvida em 1938 pela Universidade do Brasil, criada em 1935, atual UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Consoante Silva (2012., p.65,66),
Nos termos da periodização proposta, 1934 desponta como ano privilegiado, pois é a data de criação do primeiro curso superior de geografia no país. Marca o início da geografia acadêmica, da Geografia científica, o surgimento dessa geografia de caráter mais acadêmico. […] Ele marca o início de uma forte influência francesa com a presença de professores daquele país que criaram escola e deixaram marcas profundas nas instituições por onde passaram além de imprimir um “modo” francês de se fazer a ciência geográfica.
Os primeiros cursos de formação de profissionais para atuar nesta área foram abrigados nas respectivas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras dessas universidades (ROCHA, 2000, p.132). Essa influência, informa Silva, é justificada pela nacionalidade francesa dos primeiros mestres da FFCL/USP, entre estes Pierre Monbeig, Pierre Deffontaines, Emile Coonaert, Fernando Braudel, C. Lévi-Strauss, Paul Arbousse-Bastide, Etienne Borne, Jean Mogüé, Robert Garric, Pierre Hourcade, François Perroux, René Courtin, Pierre Fromont; na Universidade do Distrito (Rio de Janeiro), com destaque para a presença de François Ruellan, Henri Hauser, Gaston Leduc, Maurice Bye. (SILVA, 2012, p.71).
Vesentini (1992) refere-se ao peso da obra de Vidal de La Blache nos rumos que tiveram a Geografia acadêmica em França e, no Brasil, por influência da corrente de pensamento Possibilista, a obra de Aroldo de Azevedo, renomeado professor da Universidade de São Paulo, “[…] que difundiu e deu respeitabilidade à Geografia com seus famosos livros didáticos.” (SILVA, 2012, p.69). Esses dois geógrafos, segundo Vesentini, “começaram como autores de livros didáticos para o ensino elementar e transmitiram aí uma visão da Geografia como ‘discurso da Pátria’”. (1992, p. 18).
A seleção e organização dos conteúdos dos livros didáticos refletem a concepção de Geografia apregoada pela corrente de pensamento Possibilista. A esse respeito Ponstuschka, Paganelli e Cacete (2007, p. 46) expõem a seguinte asserção:
Vale ressaltar que a Geografia, no antigo ginásio, até a época da fundação da FFCL/USP, nada mais era do que a dos livros didáticos escritos por não geógrafos. Esses expressavam, geralmente, o que foi a ciência até meados do século XIX, na Europa: enumeração de nomes de rios, serras, montanhas, ilhas, cabos, capitais, cidades principais, totais demográficos de países, de cidades etc. A memória era a capacidade principal para o estudante sair-se bem nas provas.
No magistério de Petrone (1993), a formação de professores em Geografia constitui fator de mudança nesse ensino, porque, com a criação das referidas faculdades, nos anos 1930, pela primeira vez, se colocavam em sala de aula professores com formação em Geografia, preparo este assentado numa concepção científica. Até então, as aulas de Geografia eram ministradas por profissionais oriundos das diversas áreas, como advogados, engenheiros, médicos e seminaristas. Conforme noticia Rocha (2000, p. 132), de 1936 em diante, “formar-se-iam os(as) primeiros(as) professores(as) licenciados(as) para atuar no ensino secundário, oriundos daquelas novas faculdades”.
Rocha (2000, p.133) prossegue, explicando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 4.024/61, estabeleceu para os cursos de formação de professores um currículo mínimo de caráter nacional para todos, segundo o Parecer n. 412/62, aprovado em 19 de dezembro de 1962. Foi proposto o seguinte currículo mínimo para o curso de licenciatura em Geografia, com duração de quatro anos: Geografia Física; Geografia Biológica ou Biogeografia; Geografia Humana; Geografia Regional; Geografia do Brasil; Cartografia. Duas matérias escolhidas dentre as seguintes: Antropologia Cultural; Sociologia; História Econômica Geral e do Brasil; Etnologia e Etnografia do Brasil; Fundamentos de Petrografia, Geologia, Pedologia; Mineralogia; Botânica.
No que diz respeito ao ensino primário, segundo Zotti (2004, 119), foi prescrito um currículo para os estados e municípios composto pelas seguintes disciplinas, além do ensino religioso que era opcional: Literatura e linguagem oral e escrita; Aritmética; Geografia e História do Brasil; Ciências; Desenho; Canto orfeônico; Educação Física.
Dos 1950 em diante, houve maior difusão dos cursos de formação de professores de Geografia, com novas turmas que qualificavam profissionais para atuar com a docência nos vários níveis de ensino, como evoca Rocha (2000, p. 132-133).
Em meados dos anos 1950, surgiram os primeiros questionamentos sobre a validade da Geografia moderna (científica ou tradicional). O embasamento teórico dessa ciência foi intensamente questionado pelos geógrafos pragmáticos. Para estes, o método adotado até então pela Geografia, pautado na observação, descrição e análise dos fatos, não configurou método confiável para uma ciência do mundo contemporâneo. Os geógrafos pragmáticos buscavam nos métodos estatísticos e nos modelos matemáticos uma análise mais rigorosa do espaço. Dessa maneira, o conhecimento geográfico, fundamentado no positivismo lógico, passou a ser aplicado ao terreno prático da intervenção do Estado e das empresas hegemônicas. A Geografia pragmática não teve influência direta no ensino primário e secundário. Nos anos 1970, entretanto, sob o regime militar, a Geografia escolar mostrada nos livros didáticos tornou-se um saber bastante empobrecido em seu conteúdo, desvinculado da realidade brasileira e descaracterizado pela proposta dos Estudos Sociais, oficializado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5. 692/71 (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2007, p. 53).
Uma das inovações trazidas pela Lei nº 5.692/71 foi a fusão do Ensino Primário, que tinha a duração de quatro a cinco anos, com o Ensino Secundário (curso ginasial), com quatro anos de duração. Segundo Zotti (2004, p.164), essa inovação relativa à legislação anterior, “diz respeito à extensão da escolaridade obrigatória, de quatro para oito anos, sendo denominada 1º grau, de caráter obrigatório e gratuito”. Esse ensino obrigatório para as crianças de sete aos 14 anos de idade compreendia uma carga horária anual de 720 horas. A inovação adveio pela inclusão, nesse currículo, de matérias obrigatórias, como Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde.
Em estudos realizados por Zotti (s/d), a autora faz uma análise sobre os objetivos dessas matérias na estrutura curricular do ensino de 1º grau e chega à seguinte conclusão:
Analisando os objetivos e conteúdos dos programas, percebemos que a intenção era o enquadramento do indivíduo em uma sociedade harmônica, baseada no lema ‘Deus, Pátria e Família’ […], em que há ênfase nos papéis individuais, como meio de progresso e bem-estar de todos. São enfatizados os deveres, e, praticamente, os programas não abordam as questões relativas aos ‘direitos’ do cidadão. Estes, por sua vez, serão conquistados se bem cumpridos os deveres. A noção de cidadão como cumpridor de deveres e, portanto merecedor de direitos é enfatizado em todos os objetivos. A ênfase ao ensino dos símbolos da Pátria, também, vinha ao encontro da padronização imposta pela ditadura militar.
Somente no início dos anos 1980, a produção do conhecimento pautada na Geografia crítica trouxe elementos fundamentais para se tentar construir uma nova proposta teórico metodológica, tanto para a ciência quanto para a matéria escolar. Na luta pela constituição de uma Geografia crítica e a conquista da cidadania, destacam-se os intelectuais envolvidos com a teoria social de Marx. Assim, a tentativa de uma proposta curricular, conforme expõe Straforini (2006, p.49),
[…] estava centrada no materialismo histórico, sendo a Formação Econômico Social (FES) a categoria utilizada para a compreensão espacial. […] Nesse sentido, as relações de trabalho e o modo de produção capitalista tornara-se o cerne dos estudos geográficos nas salas de aula, permeando praticamente todos os conteúdos geográficos. Os livros didáticos, os discursos geográficos e a própria prática em sala de aula voltaram-se mais para as tais categorias pertencentes à sociologia e economia do que à Geografia propriamente dita.
Essa nova proposta não foi bem aceita pelos estudantes, pois estes alegavam não haver muita relação com os conteúdos geográficos. Straforini explica que era “comum ouvir reclamações dos alunos que o conteúdo ministrado não tinha nada de geográfico, ou que o professor repetia os conteúdos já ministrados em História e/ou Sociologia”. (Idem). De outra maneira, a Geografia crítica passou a ser compreendida apenas como “falar mal dos poderosos, das elites, ou, mais rasteiro ainda, falar mal dos políticos!”, anota Kaercher (2004, p. 343).
Essa dificuldade de implantação da Geografia crítica encontra respaldo na maneira pela qual ela chega às escolas: sem diálogo e sem uma construção coletiva entre os escolares. Straforini continua a elucidar essa proposta explicando que,
[…] a Geografia Crítica foi apresentada para a grande maioria dos professores através dos livros didáticos, pulando a mais importante etapa: sua construção intelectual. Da mesma forma que os conteúdos chegavam aos professores de maneira pronta e acabada na Geografia Escolar Tradicional, os conteúdos sob a luz da Geografia Crítica também assumiram o mesmo papel junto aos professores, ou seja, de essencialmente dinâmicos, na prática continuavam estáticos. (2006, p. 49-50).
Destarte, pressupõe-se que a Geografia crítica transformou-se naquilo que Nestor Kaercher chama de característica obstáculo: “obstáculo quando crê que basta auto intitular-se Geografia Crítica para alcançar alternativas certas às injustiças sociais e que estas só não são implementadas por culpa dos outros, de alguns inimigos: o capitalismo, o imperialismo, o liberalismo, […]” (2004, p. 342). Acreditamos, todavia, que esse caminho enviesado da Geografia crítica não foi de todo negligenciado, uma vez que ele forneceu as bases para as críticas marxistas da educação e, por consequência, do ensino de Geografia. As teorizações críticas começam a indagar e fazer conexão entre escola e modo de produção capitalista: como a escola transmite a ideologia da classe dominante? Como a escola, por meio dos conteúdos escolares, contribuem para formar o cidadão desejável da sociedade capitalista?
Com base nessa conexão, os geógrafos começaram a denunciar a Geografia como um saber útil à legitimação dos interesses do Estado e à manutenção e reprodução das classes sociais mediante a escolarização. De forma camuflada, essa matéria escolar, isto é, a “geografia dos professores”, no entendimento de Moraes (1995, p. 114 e 115), oferece “informações precisas sobre os vários lugares da Terra, sem gerar suspeita, pois tratar-se-ia de um conhecimento eminentemente apolítico, e, ainda mais, inútil”.
Na crítica conduzida por Yves Lacoste à Geografia tradicional, há uma denúncia sobre a existência de duas geografias: A Geografia dos Estados-maiores e a Geografia dos professores (LACOSTE, 2009, p. 31). Para esse autor, a Geografia dos Estados-maiores “é um conjunto de representações cartográficas e de conhecimentos variados referentes ao espaço, esse saber sincrético é claramente percebido como eminentemente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder”. Por sua vez, a Geografia dos professores segundo Lacoste
[…] se desdobrou como discurso pedagógico de tipo enciclopédico, como discurso científico, enumeração de elementos de conhecimento mais ou menos ligados entre os diversos tipos de raciocínios, que têm todos um ponto comum: mascarar sua utilidade prática na conduta da guerra ou na organização do Estado […]A Geografia dos professores funciona, até certo ponto, como uma tela de fumaça que permite dissimular, aos olhos de todos, a eficácia das estratégias políticas, militares, mas também estratégias econômicas e sociais que uma outra Geografia permite elaborar. (2009, p. 31-33).
A preocupação básica do ensino proposto pelo movimento de renovação da Geografia crítica foi a de contribuir com as condições teóricas necessárias para que o aluno apreenda criticamente a realidade e possa participar ativamente das transformações que se fazem necessárias, possibilitando, assim, a conquista plena da cidadania; uma Geografia comprometida com o ser humano e a sociedade, não com o ser humano abstrato, mas com o ser humano concreto, com a sociedade tal qual ela se mostra, dividida em classes portadoras de conflitos e contradições e que contribua para a sua transformação.
A Educação para a cidadania na perspectiva da Teoria Crítica, conforme explica Giroux (1986, p.263), sinaliza para a ideia de que os estudantes aprendam não apenas a avaliar a sociedade de acordo com suas pretensões, mas devem também ser ensinados a pensar e agir de forma que tenham relação com as distintas possibilidades da sociedade e a variados modos de vida. A questão, nesse sentido, segundo Callai (2001, p.138) “é situá-lo neste mundo e através da análise do que acontece dar-lhe condições de construir os instrumentos necessários para efetivar a compreensão da realidade”. Essa realidade, por sua vez, está inserida num todo, numa totalidade, e isso é impossível de ser compreendido mediante a análise de fatos isolados e de compreensão difícil. Nesse sentido, a teoria da totalidade sugerida por Giroux (1986, p. 253) nos faz pensar na globalidade.
Os estudos geográficos fundamentados na Teoria Crítica representaram mudança significativa na prática política dos geógrafos, levando-os ao envolvimento com a pesquisa comprometida com questões socioespaciais e, no tocante ao ensino, a Geografia assume o compromisso com uma formação cidadã dos educandos.
A Renovação da Geografia Escolar no Brasil
O surgimento da Geografia crítica, bem como as teorias críticas do currículo, teve raízes nos movimentos e protestos realizados nos anos 1960. Segundo Silva (2009, p.29, 30), esse movimento de revisão da teoria curricular efetua uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais. As teorias críticas sobre o currículo colocam em questão os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais; desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas desigualdades e injustiças sociais; são teorias de desconfiança, questionamento e transformação radical. Dessa maneira, Vesentini avalia a Geografia crítica como havendo florescido
[…] num contexto de revisão de ideias e valores: o maio de 1968 na França, as lutas civis nos Estados Unidos, os reclames contra a guerra do Vietnã, a eclosão e a expansão do movimento feminista, do ecologismo e da crise do marxismo. […] Desde o seu nascedouro, a Geografia crítica encetou um diálogo com a teoria crítica (isto é, com os pensadores da Escola de Frankfurt), com o anarquismo (Reclus, Kropotkin), com Michel Foucault, com Marx e os marxismos […]. (2005b, p. 223).
O movimento de renovação da Geografia eclodiu no Brasil no final dos anos 1970 e expandiu-se nos posteriores. Esse movimento é fruto de amplas discussões em torno da organização do currículo na escola, e, uma busca a tentativa de fazer uma Geografia alternativa e autônoma desvinculada da ideologia do Estado e dos ditames dos grupos econômicos hegemônicos. Com propósito, foi delatado o sentido da Geografia na escola como associada ao projeto da sociedade capitalista. As diversas falas denunciam, em reuniões, simpósios, encontros e assembleias, o comprometimento da Geografia escolar com o discurso oficial, que, por consequência, legitimava, por via dos seus conteúdos, a cultura dominante.
No Brasil, a ruptura com as teorias tradicionais tem como marco inicial o III Encontro Nacional de Geógrafos, promovido pela AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros), realizado em Fortaleza – CE, em julho de 1978. Segundo Kaercher (2010, p.64), “ali fez-se veemente crítica à Geografia tradicional e despolitizada. (Re)inicia-se, mais uma vez, uma longa caminhada na busca da democratização da sociedade e da escola, e, por conseguinte, da própria Geografia”.
Esse momento inicial alavancou outras possibilidades para discussão que posteriormente ascenderam nos eventos científicos, travando-se um verdadeiro embate contra a Geografia que se fazia e se ensinava. Deliberada a necessidade de debater sobre o ensino de Geografia no Brasil, os geógrafos reuniram-se no I ENEGE (I Encontro Nacional de Ensino de Geografia – Fala Professor), em julho de 1987, em Brasília. Esse Encontro representa um marco para a categoria, pois os professores tiveram a oportunidade de questionar e propor mudanças no ensino. Os docentes de todos os estados do Brasil debateram sobre as condições de trabalho dos professores e, sobretudo, acerca da prática de ensino de Geografia nos diversos níveis, com fundamentos na Geografia crítica.
O I ENEGE reuniu aproximadamente 2000 pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, os quais se organizaram em forma de painéis e grupos de trabalho, o que permitiu, com a troca de experiências entre professores e alunos, melhor compreensão da realidade do ensino de Geografia no Brasil. Nesse evento, os participantes propuseram uma revisão dos conteúdos e das formas de ensinar, aprender e avaliar os conhecimentos geográficos.
O objetivo do Encontro foi debater e elaborar uma estratégia capaz de transformar o ensino de Geografia do “1º e 2º Graus, com base em uma ciência que, dialeticamente, busque a integração do arranjo espacial com relações sociais existentes em cada momento histórico”. (AGB, 1987, p.04). Os professores alegavam que a Geografia ensinada estava distante da realidade do aluno, era descritiva, compartimentada, fatual, e mais, era reforço para a manutenção de uma análise fragmentária do espaço. Cavalcanti contribui, assegurando que “a partir de então, essa Associação passou a exercer um papel importante na busca de aproximação entre a universidade e os professores de ensino fundamental e médio.” (2006, p.19).
No ensino, a Geografia crítica, representante maior do movimento de renovação, denuncia o estudo descritivo das paisagens naturais e humanizadas, os procedimentos didáticos pautados na descrição e na memorização dos elementos que compõem as diversas paisagens terrestres e, a estruturação dos conteúdos dos livros didáticos pautados na sequência clássica elementos naturais, humanos e econômicos. A crítica recai de forma contundente sobre as ideologias impregnadas nos materiais didáticos, no discurso do nacionalismo patriótico dos rituais escolares que, de maneira geral, legitimavam a cultura dominante.
Em face das denúncias e protestos levantados pelos professores-geógrafos, desde os anos 1970, o ensino de Geografia ao longo dos anos propõe um ensino e uma aprendizagem consubstanciada numa abordagem de ensino humanista, considerando o aluno sujeito histórico, participante da elaboração e reprodução do espaço geográfico onde este habita e estuda, um sujeito com papel ativo, elaborador de conhecimentos, e, por consequência, um aluno consciente, emancipado e autônomo envolvido com as questões sociais.
Os anos de 1980-90 trouxeram para a Ciência geográfica e para a Geografia escolar, novos paradigmas teóricos e metodológicos que buscavam responder aos dilemas da sociedade contemporânea. Inúmeros são os esforços para se implantar nas escolas uma Geografia crítica que tenha um significado prático na vida dos educandos. O movimento de renovação da Geografia, contudo, ainda não conseguira alcançar as salas de aula em sua plenitude. Na compreensão de Lana Cavalcanti, desde o movimento de renovação da Geografia, que teve início no final dos anos 1970,
[...] muitos caminhos foram escolhidos para se fazer uma análise crítica da fundamentação teórico-metodológica da ciência geográfica e para propor alternativas ao modo de trabalhar essa ciência como matéria escolar. É verdade que as discussões teóricas e as propostas para o ensino de Geografia têm tido pouca penetração na prática desse ensino ou têm demorado muito a chegar a essa instância, mas já é possível observar alterações no cotidiano das aulas de Geografia, alterações essas fruto de experiências fundamentadas por teorias críticas da Geografia que já foram realizadas. (2002, p. 11-12).
Essas posições são pertinentes, quando deparamos a realidade das escolas públicas e a diversidade de propostas de renovação para o ensino de Geografia. Esta última é promissora, pois a Academia expressa avanços nessa direção, fato constatado pelo saldo positivo em relação à produção científica. A escola, entretanto, avança na mesma proporção? Como se caracteriza o ambiente escolar para atender às reformulações curriculares? Quais são as condições reais de trabalho dos professores para atender a essa diversidade de metodologias prescritas nas reformulações para fazer com que a aprendizagem aconteça?
METODOLOGIAS E RECURSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM
Neste estudo, realizamos um levantamento bibliográfico sobre as principais orientações metodológicas e recursos de ensino que, atualmente, ganham centralidade na reflexão sobre o ensino de Geografia no contexto da sociedade contemporânea. A descrição sobre as possibilidades de metodologias e recursos representa neste estudo uma síntese das leituras realizadas com base nas obras de autores geógrafos dedicados a escrever sobre a Geografia escolar, e também de não geógrafos.
A proposta de ensino na perspectiva construtivista crítica valoriza o cotidiano do aluno como ponto de partida para se trabalhar a Geografia de modo contextualizado. A realidade social desses educandos está imersa em informações que estes adquirem mediante os textos de circulação social (MENEZES, TOSHIMITSU E MARCONDES, 2007),como jornal impresso e televisivo, letras de música, anúncios de outdoors, revistas, programas de TV, entre outros relacionados ao cotidiano. Estes textossão recursos didáticos que trazem mensagens codificadas e sua leitura implica a decodificação da mensagem pela compreensão e acompanhamento do raciocínio do autor. O uso desses materiais em sala de aula auxilia os estudantes no aperfeiçoamento da leitura e na produção textual. Cabe à escola ensinar a ler (decodificar) as formas simbólicas que circulam na mídia. Os conhecimentos adquiridos nas aulas de Geografia devem proporcionar aos alunos a análise do discurso “midiático”, pois este é carregado de ideologias, imprecisões e distorções geográficas. As notícias veiculadas pelas mídias são analisadas, interpretadas e compreendidas pelos educandos, quando estes são incentivados a assumir atitude de receptor crítico.
Esses materiais em forma de textos ou imagens favorecem a interdiscursividade com os media, na medida em que estivermos instrumentalizados pelo conhecimento geográfico – anotam Leão e Leão (2008, p.40, 41). Os referidos autores asseguram que “o professor de Geografia pode, assim, transformar qualquer texto mediático em um texto útil para o ensino da Geografia, desde que este seja o ponto de partida para a reflexão em que o conhecimento geográfico seja a referência”.
As representações cartográficas, plásticas e gráficas são recursos que fazem parte do repertório didático do professor de Geografia de maneira mais usual. Tradicionalmente são recursos, pelo menos em se tratando das representações cartográficas e gráficas, que aparecem nos livros didáticos e auxiliam os professores e alunos na compreensão do texto didático. São exemplos: os desenhos, as cartas mentais, os croquis, as plantas e os mapas. A utilização dessas representações pressupõe a capacidade de abstração, pois representam a realidade por via de símbolos.
Quanto à linguagem cartográfica(CAVALCANTI, 2012) apontamos alguns impasses com relação ao (des)uso na Educação Básica, considerada muitas vezes como um conteúdo a mais do saber geográfico. É, no entanto, um conteúdo procedimental importante na educação geográfica, que deveria estar no cotidiano das aulas de Geografia. O mapa é a imagem mais forte da Geografia na escola. O seu uso no cotidiano das aulas de Geografia auxilia no desenvolvimento de habilidades de observação, manuseio, reprodução, interpretação, correção e elaboração de mapas. Na leitura e interpretação de mapas, os alunos desenvolvem habilidades de “localização, análise, correlação e síntese”. (SIMIELLI, 2007, p.95).
A maquete constitui uma linguagem plástica que exprime um modelo tridimensional do espaço (PONTUSCHKA, PAGANNELLI e CACETE, 2007). As autoras esclarecem que a criança, em princípio, durante as suas brincadeiras, vai fazendo construções espontâneas, utilizando fragmentos vegetais, vários tipos de pedras, miniaturas de pessoas e, assim, constroem casas, igrejas, fortes, carros, trens e cidades. Com a entrada na escola, a criança é estimulada a empreender vários tipos de construções e aos poucos passa a construir maquetes da sala de aula, da casa, da escola, da rua, do bairro, do relevo. Dessa maneira, o aluno vai defrontando questões referentes a proporcionalidade e tamanho dos objetos em relação uns aos outros nas escalas qualitativas e quantitativas. Na concepção de Castrogiovanni (2008, p.76), “a construção da maquete é um dos primeiros passos para um trabalho mais sistemático das representações geográficas”.
Os mapas, globos, plantas, entre outras representações gráficas e plásticas, são recursos que deveriam ficar expostos de maneira mais acessível e visível no ambiente escolar. O globo terrestre (SCHÄFFER et al, 2005) mostra com propriedade a localização dos fenômenos geográficos. É um texto que tem linguagem simbólica, cuja escola tem o papel de desenvolver. O globo auxilia no aprendizado sobre localização, orientação, coordenadas geográficas, posição da Terra no espaço e suas relações no sistema planetário. Este recurso ajuda a esclarecer a diferença de representação espacial e as distorções de correntes da projeção de um sólido (a Terra) sobre um plano (o papel de mapa) e para explicar a relação entre a esfericidade da Terra e a diversidade ambiental, especialmente a climática.
Os meios digitais, no jargão informático – ferramentas – ou tecnologias da geoinformação ajudam os professores e os alunos no estudo do espaço geográfico, possibilitam explorar o ambiente e realizar mapeamentos de maneira colaborativa por meio de microcomputadores e internet. O uso desses meios torna o aprendizado mais eficaz na compreensão dos sistemas físicos e humanos. São programas desenvolvidos e distribuídos pelo Google que, associados ao uso da cartografia, compõem um instrumental instigante no estudo dos conteúdos geográficos.
O Google Earth, por exemplo, tem como principal função indicar um modelo tridimensional do globo terrestre, constituído com suporte em imagens de satélite obtidas em fontes diversas, uma delas a NASA (National Aeronautics and Space Administration). O programa permite dar zoom para visualizar detalhes, inclinar ou girar uma imagem, identificar e marcar locais para visitá-los posteriormente, medir a distância entre dois pontos, traçar trajetos ou rotas e até mesmo ter uma visão tridimensional de uma determinada localidade. Esses expedientes são importantes para o aprendizado na área da cartografia; auxiliam no estudo sobre temas relacionados a localização, orientação, coordenadas, entre outras possibilidades. (MARANHÃO e BARBOSA, 2013).
As tecnologias da informação e comunicação fazem parte do repertório cultural do educando, ajudando-o no processo comunicativo com o mundo. São instrumentos intensamente utilizados pelas crianças e jovens para se expressar e se relacionar de maneira rápida e fácil. Libâneo (2011, p. 66), porém, faz uma advertência quanto ao perigo da “tecnologização” do ensino, uma vez que esta pode incentivar “a crença de que o computador e outras mídias podem substituir a relação pedagógica convencional”.
As intervenções pedagógicas para o ensino da Geografia no contexto contemporâneo transcendem o espaço físico da sala de aula. Não podemos conformar os atos de ensinar e aprender Geografia apenas ao espaço interno da escola. Para tanto, são sugeridas aulas em campo no entorno da escola, no próprio bairro, nas praças, feiras, museus, parques ecológicos, bibliotecas públicas, centros culturais, entre outros.
O planejamento dessa metodologia está associado à elaboração de projetos de estudo do meio (PONTUSCHKA, 2005; PONTUSCHKA, PAGANNELI e CACETE, 2007), proposta didática que tenciona romper com o paradigma curricular disciplinar, uma vez que se trata de uma metodologia interdisciplinar, que pretende desvendar a complexidade de um espaço por meio de uma investigação a fim de apreender os aspectos sociais, físicos e biológicos. Envolve trabalho de campo, pesquisa bibliográfica e iconográfica. Dela participam diversas áreas do conhecimento: Português, Matemática, História, Geografia, Biologia, Química, Artes, entre outras. O objetivo do estudo do meio é mobilizar, em primeiro lugar, as sensações e as percepções dos alunos no processo de conhecimento, para depois proceder à elaboração conceitual. Esta metodologia leva a um processo de descoberta e desenvolve no aluno uma atitude autônoma e crítica ante os conteúdos escolares, bem como aguça a reflexão e, consequentemente, a produção do conhecimento; desenvolve as habilidades de observar, sistematizar, descrever e interpretar lugares e paisagens.
No planejamento escolar, essas atividades deverão ser previstas, incluindo nos planos de ensino e de unidade os possíveis espaços de aprendizagem fora da sala de aula. Nesse sentido, as salas de aula de Geografia podem ser as feiras, as praças, os museus, as fábricas, os parques ecológicos, a beira de um rio, o entorno de uma lagoa, o centro histórico da cidade, a velha casa de farinha, os engenhos, os fortes, as comunidades tradicionais, enfim, lugares que contam a história e a geografia da sociedade no tempo e no espaço. Como desdobramento das aulas em campo são sugeridas excursões, visitas técnicas, turismo geoeducativo (cf. OLIVEIRA e ASSIS, 2009). Para sua viabilidade, deverão ser previstos os meios de deslocamento dos alunos, professores e do pessoal de apoio para a efetivação das aulas.
A linguagem literária (PONTUSCHKA, PAGANNELI e CACETE, 2007) constitui uma forma prazerosa de conhecer o mundo. A leitura de romances, contos, novelas, crônicas, poemas ou outro gênero literário sempre foi incentivada pela escola, principalmente pelo professor de Língua Portuguesa, para desenvolver habilidades de ler, escrever, analisar e interpretar. Na Geografia, este recurso pode ser utilizado, pois nos dá a conhecer as culturas vividas pelas personagens, os aspectos físicos e humanos das cidades, regiões e países. Ao trabalhar com a literatura analisamos as mudanças que ocorrem no tempo e no espaço, portanto abre a possibilidade de explorar o estudo das paisagens em variadas épocas. A leitura desses textos também é responsável pelo aperfeiçoamento da linguagem do aluno, pois enriquece o vocabulário e, por consequência, melhora a expressão verbal.
A linguagem cinematográfica no ensino de Geografia (PONTUSCHKA, PAGANNELI e CACETE, 2007) constitui uma produção cultural importante para a formação do intelecto dos alunos, porque com ela aparecem questões cognitivas, artísticas e afetivas de grande significado. A exibição de filmes na escola suscita possibilidades para se trabalhar os conteúdos programáticos e aprofundar as discussões sobre temas geográficos como, por exemplo, localização, formação das paisagens, modos de vida, diferenças culturais, produção e reprodução do espaço, agentes modeladores do espaço, impactos ambientais e sustentabilidade, a vida nas cidades e no campo, condições climáticas etc.
Os jogos de simulação ou jogos pedagógicos (cf. Cavalcanti, 2012; Antunes, 2005, 2008) como metodologias de ensino, visam a estimular a aprendizagem mediante brincadeiras socializadoras. São meios para apreensão, análise, síntese, percepção de um novo conhecimento, transformado e assumido pela experiência do aluno. Os jogos e as brincadeiras, segundo Castellar e Vilhena (2010), são situações de aprendizagem que propiciam a interação de alunos e dos alunos com os professores, estimulam a cooperação, contribuem também com a descentração, auxiliando na superação do egocentrismo infantil, ao mesmo tempo em que ajudam na formação de conceitos. Isso significa que eles atuam no campo cognitivo, afetivo, psicomotor e atitudinal. Eles permitem integrar as representações sociais adquiridas pela observação da realidade e dos recursos percorridos no jogo. Cavalcanti (2012) e Antunes (2005, 2008) dão exemplos de jogos: sobre o meio, de busca, de localização, de desenvolvimento econômico de países, de construção de cidades, de itinerários e viagens, de ecologia e meio ambiente, de palavras etc.
Ademais, o professor de Geografia dispõe de uma infinidade de metodologias e recursos que sugerem movimento dentro e fora da sala de aula. Ao selecionar os conteúdos geográficos, o professor deve estar instrumentalizado por uma conjunção de metodologias e técnicas capazes de viabilizar essa proposta de ensino, pois “cada uma das linguagens possui seus códigos e seus artifícios de representação, que precisam ser conhecidos por professores e alunos para maior compreensão daquelas a serem trabalhadas com conteúdos geográficos.” (PONTUSCHKA, PAGANELLI e CACETE, 2007, p. 216).
OS TEMPOS E OS ESPAÇOS DA APRENDIZAGEM
Constatamos que as propostas para a Geografia escolar são diversas. Porém, a viabilidade desse projeto de ensino e aprendizagem dinâmicos depende das condições concretas das escolas públicas. O tempo e o espaço devem ser considerados nesse projeto! Estamos propondo conteúdos novos para formas antigas!
Conjugar as categorias tempo e espaço na sociedade tecnológica e informacional exige um ávido esforço para apreender as condições reais das ações dos sujeitos escolares desafiados pela virtualidade e pela intemporalidade, o que redimensiona a organização do fazer docente. Esse esforço remete-nos a pensar na escola moderna e/ou tradicional, onde o espaço destinado ao ensinar-aprender sempre esteve associado a um locus definido, ou seja, a escola. Esta se organizava em torno de um tempo previsível, mensurável e linear. Na intelecção de Tardif e Lessard (2011, p. 55),
Desde que a docência moderna existe, ela se realiza numa escola, ou seja, num lugar organizado, espacial e socialmente separado dos outros espaços da vida social e cotidiana. Ora, a escola possui algumas características organizacionais e sociais que influenciam o trabalho dos agentes escolares. Como lugar de trabalho, ela não é apenas um espaço físico, mas também um espaço social que define como o trabalho dos professores é repartido e realizado, como é planejado, supervisionado, remunerado e visto por outros.
O espaço escolar herdado da sociedade moderna guarda algumas características que o distinguem dos outros espaços sociais. Esse lugar é produto de convenções e acordos realizados pelos sujeitos da história, que dão nome e identidade à escola, sendo facilmente identificada pela burocratização e codificação que a caracterizam. Essas características são seculares e, ainda hoje, esse espaço guarda as formas inspiradas pela ideia de Educação da sociedade moderna, fato este que nos impulsiona a rever a escola e o trabalho que nela se faz no contexto contemporâneo. Na perspectiva de Tardif e Lessard (2011, p. 166), esse tempo coletivo reproduz, por alto, esse pattern básico: períodos de trabalho em classe, intervalos e atividades de preparação para os professores. Esse ritual escolar reproduz fielmente o modelo que está na base do trabalho coletivo das sociedades industriais.
É preciso repensar o papel da escola e ousar na (re)organização dos tempos e dos espaços escolares como possibilidades para se fazer uma Geografia mais contextualizada. Solé e Coll (2009, p.27) fazem afirmações e indagações pertinentes sobre o assunto:
A respeito, é interessante refletir sobre o fato de que a forma de distribuir os espaços, o tempo, a elaboração dos horários, a distribuição dos grupos, não são questões meramente técnicas, na medida em que essas variáveis podem influenciar notavelmente no desenvolvimento do ensino, não seria impróprio pensar em uma forma de abordagem construtivista da organização. Perguntas como “Esta distribuição de horários nos permite um acompanhamento dos alunos para que possamos atendê-los adequadamente?, Facilita o trabalho interdisciplinar?, para dar apenas um exemplo, mostram que a organização perfeita não é a que parece perfeita no papel, mas a que facilita a tarefa educativa, organização que, certamente, também deve ser razoável no papel.
Esses questionamentos nos fazem refletir sobre o ensino de Geografia. Esta consegue cumprir com seu papel, operando num tempo de aula mínimo e num espaço tão rígido! Então, como os professores poderiam planejar melhor a distribuição dos tempos dos componentes curriculares e superar essa tradição?
Muitas propostas de renovação para a escola e inovação no ensino estão associadas ao suprimento das escolas com as tecnologias digitais da informação e comunicação. Portar computadores, ter acesso a internet, ter domínio sobre os programas de software parecem ser a solução para os problemas que assolam a nossa educação! A ênfase, no entanto, deve ser “ajudar os estudantes a ‘lerem’ o mundo criticamente”. (GIROUX, 1997, p.33). E como isso pode acontecer? Vencendo os muros da escola. Então, como transpor essa estrutura organizacional engessada e pensar em outras possibilidades? É possível pensar em outros ambientes e diversificadas formas de ensino e aprendizagem? O que a cultura contemporânea nos oferece como possibilidade para estabelecermos outra escola e novo ambiente de aprendizagem?
Com base na reflexão de Kenski (2007) sobre as categorias tempo e espaço, no contexto de escolarização, concordamos quando a autora nos adverte, sinalizando que “a escola precisa, enfim, garantir aos alunos-cidadãos a formação e a aquisição de novas habilidades, atitudes e valores, para que possam viver e conviver em uma sociedade em permanente processo de transformação”. (p.64). Nessa perspectiva, Kenski chama a atenção para as tecnologias, a arquitetura das salas de aula, enfim, o espaço e o tempo do ensino e da aprendizagem na escola.
As tecnologias ampliam as possibilidades de ensino para além do curto e delimitado espaço de presença física de professores e alunos na mesma sala de aula.
[…]
[…] a arquitetura das salas de aula e a disposição dos móveis (mesas, carteiras, cadeiras, armários e lousas) definem o tipo de proposta teórico metodológica vigente. O espaço destinado a professores e alunos também declara de quem é a primazia da ação. Os espaços físicos concretos de nossas escolas estão comprometidos com um tipo de educação que privilegia a atuação do professor, o seu movimento e a centralização do processo no ato de “ensinar”, de transmitir, de informar.
[…]
Um tempo curto demais para que todos possam falar, dizer o que pensam. Um tempo em que não há como debruçar-se sobre a informação, refletir e posicionar-se criticamente, apresentando suas reflexões para os que frequentam a mesma sala de aula. (2007, p. 88; 108; 109).
Corroborando as intenções de Zabala (1998), este nos instiga a perseguir nossos questionamentos: a forma como as escolas estão organizadas na atualidade é a mais adequada? Guardando-se as suas devidas características físicas, por que será que ela ainda permanece inspirada no modelo de currículo em que se assemelhava aos rituais da indústria? Devemos ainda nos perguntar: que critérios nos permitem justificar essa organização no contexto atual? Quais seriam as possibilidades para fazer uma escola diferente?
Ante essas indagações, pensamos sobre as características físicas das escolas, pois estas não mais se justificam perante as atuais concepções teórico-metodológicas da Geografia, de docência e demandas da sociedade tecnológica e informacional. Portanto, ousamos asseverar que “a escola não mudou o suficiente para a criança de hoje. Tem-se uma criança nova numa escola velha”, assim anota um professor do ensino secundário citado no texto de Tardif e Lessard (2011, p. 111). Não mudaram as estruturas e os rituais das nossas escolas, mormente no tocante à organização social das classes e à arquitetura da sala de aula – espaço este reproduzido de geração em geração, que denota facilmente a concepção de uma escola ainda conservadora.
Como já sinalizamos, para que os alunos e os professores alcancem os objetivos propostos é necessário ampliar a concepção de ambiente escolar como possibilidade para o ensino de Geografia. Essas novas propostas evocam um espaço diferenciado, onde recursos humanos e materiais se entrelaçam adequadamente. As atividades escolares contextualizadas demandam espaços como auditório, anfiteatro, laboratórios, quadra esportivas, refeitórios, bibliotecas, salas temáticas, pátios, entre outros. As reformas curriculares não podem prescindir de reformas infraestruturais. Zabala (1998, p. 133) explica que “é preciso ampliar o espaço físico da escola, introduzindo como concepção espacial geral a utilização dos serviços que a comunidade oferece: biblioteca pública, serviços municipais, associações, museus, etc.”. No planejamento escolar, deve-se levar em consideração a natureza das atividades da Geografia e demais componentes curriculares, incluindo neste planejamento os possíveis espaços de aprendizagem fora da sala de aula convencional.
Na organização dessas atividades e dos conteúdos pressupõe-se um tempo de aulae uma organização das classes mais flexíveis. O tempo, nessa perspectiva, seria resultado e consequência das decisões tomadas em relação ao tipo de atividade e à organização dos conteúdos, conforme explica Zabala (Idem, p.134). Nessa (re)organização o tempo não seria controlado pelo toque da sirene, nem o espaço reduzido à sala de aula convencional.
CONSIDERAÇÕES PARA CONTINUAR
Neste estudo, procuramos conhecer o desenvolvimento da Geografia escolar, reconhecendo o seu papel nos vários contextos históricos. Compreendemos também que na escolarização em massa, a escola foi designada a desempenhar um papel importante como doutrinadora da sociedade industrial. Nesta, não cabia o questionamento, a dúvida sobre a validade dos conteúdos, muito menos sobre sua organização curricular, pois os objetivos da Educação escolarizada era formar o cidadão para a vida adulta, para o trabalho. Então, dessa análise, concluímos que a Geografia moderna (Ciência e matéria escolar) ajudou a elaborar um projeto nacionalista dissimulado, pois aprendíamos por meio da “Geografia dos professores” que a nossa Nação, estava isenta de conflitos, injustiças e contradições sociais.
No final de 1970 e início de 1980, no Brasil, iniciou-se um movimento de renovação da Geografia, que passou a colocar em xeque essa produção do conhecimento, pautado na Geografia tradicional. A fundamentação no materialismo histórico e dialético trouxe uma contribuição ímpar para a Geografia. Na luta pela constituição de uma Geografia envolvida com a crítica, a produção do conhecimento e a conquista da cidadania, destacam-se os intelectuais envolvidos com a teoria social de Marx. Fundamentados nas teorias críticas do currículo, os geógrafos começaram a denunciar a Geografia como um saber útil à legitimação dos interesses do Estado e à manutenção das classes sociais mediante a escolarização.
No contexto atual, a Geografia tem o papel de instrumentalizar o aluno, oferecendo-lhe as condições adequadas para que seja constituída a sua cidadania. Para viabilizar a proposta de um ensino mais contextualizado são sugeridas variadas metodologias e recursos didáticos, fato este constatado no levantamento bibliográfico realizado. Assistimos nas últimas décadas (de 1990-2010) a uma intensificação de pesquisa sobre essa temática, que estimula cada vez mais a publicação de artigos, periódicos e livros, orientadores desse ensino na escola. As metodologias, os procedimentos e os recursos didáticos são diversos, o que pressupõe uma “nova” escola e um “novo” aluno num contexto intensivamente caracterizado pelo aparato tecnológico e informacional. A inserção dessas propostas evoca dinamismo, ao mesmo tempo em que se anuncia a escola não mais como espaço de informação e instrução, mas como espaço de mediação entre o aluno e o mundo.
O estudo revelou, contudo, pouca preocupação com a organização dos tempos e espaços escolares. No repertório acadêmico não se evidencia preocupação com o que os professores de fato podem realizar dentro das escolas, se considerarmos as condições de infraestrutura de grande parte das escolas públicas no Brasil. Essas pesquisas não levam em consideração coisas simples da atividade docente, e que são fundamentais, como, por exemplo, o tempo de aula, a organização social das classes, o número de alunos, a matéria a ser dada e sua natureza, a disponibilidade e a quantidade dos recursos, os saberes dos professores, a relação com os docentes de apoio, o ambiente escolar etc.
Entendemos, porém, que uma mudança na estrutura escolar e suas reais consequências sobre o ensino de Geografia não dependem simplesmente da capacidade criativa do professor, que historicamente não tem tido autonomia ou domínio sobre a sua prática. Diante de todos os caminhos possíveis para o ensino de Geografia, destacamos, nesta análise, uma possibilidade de melhoria da qualidade deste ensino na Educação Básica, pela maximização do ambiente escolar. Reinventar a escola, pois os tempos cronometrados e espaços rígidos de aprendizagem em nada contribuem para um ensino contextualizado e consequente para o estudante.
A GEOGRAFIA NA ESCOLA: ESPAÇO, TEMPO E POSSIBILIDADES
Maria Edivani Silva Barbosa
Prof. Luciano Mannarino