Desde os anos de 1970, a sociologia brasileira tem analisado intensamente a pobreza urbana. Espaços urbanos ocupados por esses grupos sociais foram caracterizados como “periferias” – espaços socialmente homogêneos, esquecidos pelas políticas estatais, e localizados tipicamente nas extremidades da área metropolitana. Tais espaços são constituídos predominantemente em um loteamento irregular ou ilegal de grandes propriedades, sem o cumprimento das exigências para a aprovação do assentamento no município.
A maioria das casas desses locais é “autoconstruída”. Essa solução de moradia tornou-se predominante em São Paulo, embora as favelas (uma outra solução de moradia tradicional para os pobres) também estivessem presentes.
Supunha-se que a configuração urbana geral fosse radial-concêntrica em sua geometria (Abreu, 1987; Brasileiro, 1976), com um pronunciado declínio do valor das terras, das atividades econômicas e das condições de vida a partir do centro em direção à periferia da cidade (Bonduki e Rolnik, 1982; Villaça, 1999; e Taschner e Bógus, 2000).
Em outras palavras, seria possível argumentar que esse modo de entender a forma urbana seria “dual”, contrastando fortemente o centro rico com as periferias muito pobres e com piores serviços públicos. Entretanto, essas características de homogeneidade e localização das periferias têm sido ultimamente questionadas de vários modos:
– o surgimento de vários novos empreendimentos urbanos fechados na zona oeste da Região Metropolitana, tradicionalmente ocupada pelos pobres (Caldeira, 2000); com isso, desfaz-se a geometria radial-concêntrica e ocorre um aumento significativo da heterogeneidade social nessa região, embora a ocupação desses condomínios tenda a produzir enclaves sem quase nenhum contato entre os grupos sociais;
– um processo de disseminação da pobreza e de pobres por toda a cidade, que levou ao desenvolvimento de uma nova onda de favelas, marcada por múltiplas invasões de porções muito pequenas de terra não ocupadas pela urbanização, tais como pequenos espaços entre pontes e margens de rios ou linhas de trem.
– um novo fator de mudança gerado pelo Estado, que se tornou cada vez mais presente nas periferias, levando a um significativo aumento de vários indicadores sociais, especialmente os relacionados ao acesso a serviços públicos. Esse fato pode ser em parte explicado pela intensa pressão dos movimentos sociais urbanos durante o processo de mobilização política que marcou a sociedade brasileira na década de 1980. Entretanto, essas periferias foram também objeto de várias políticas dinamizadas pelo aparelho estatal durante as décadas de 1980 e 1990, como demonstram os estudos de Marques (2000) e Watson (1992), É muito provável que os dois processos tenham reforçado um ao outro (Marques e Bichir, 2001).
Em relação aos indicadores sanitários, toda essa transformação significou quase uma universalização, até o ano 2000, do fornecimento de água e coleta de lixo nas mais importantes cidades brasileiras. No entanto, o mesmo não se aplica à rede de esgotos. Em outras palavras, os movimentos sociais e as políticas públicas introduziram importantes transformações nas periferias, exigindo uma reconsideração de antigos modelos analíticos que descreviam e investigavam essas concentrações populacionais nas décadas de 1970 e 1980. A proposição desse novo arcabouço conceitual é uma tarefa intelectual que ainda precisa ser realizada.

Os serviços e investimentos estatais, no entanto, não foram suficientes para elevar as condições de vida da população de baixa renda ao padrão das outras partes das cidades (Marques e Bichir, 2001). Isso se deve em parte ao tamanho do deficit entre essas condições de vida e um verdadeiro acesso a serviços e infra-estrutura, e também à qualidade dos serviços e equipamentos recentemente implantados pelo governo nessas áreas.
Na grande maioria dos casos, as obras realizadas ali eram (e ainda são) de baixa qualidade. Assim, as melhorias públicas feitas nessas áreas não eram finalizadas e tendiam a deteriorar-se, pois a lógica sistêmica da infra-estrutura urbana não era respeitada.
Em vários aspectos, esses processos contribuíram para a diferenciação dos grupos sociais urbanos pobres e seus territórios, fazendo das periferias (bem como das favelas) um fenômeno cada vez mais heterogêneo. Essa dimensão introduziu novos desafios conceituais e analíticos visto que, ao contrário dos anos de 1970, a simples classificação de um espaço como periferia já não nos permite prever os conteúdos sociais associados à moradia no local. Embora o desenvolvimento de um novo quadro conceitual seja uma tarefa complexa e necessariamente coletiva, esperamos que os elementos enfocados nas próximas seções apontem nesta direção.
http://www.revistaedugeo.com.br/ojs/index.php/revistaedugeo/article/view/747
Questões (sala de aula)
1. Por que a homogeneidade e localização das periferias tem sido ultimamente questionada? Apresente exemplos utilizando o espaço urbano da Cidade do Rio de Janeiro.
2. O que são “periferias” dentro de um espaço urbano?
3. O Estado pode melhorar a condição de vida das populações que moram nas periferias das grandes metrópoles? Exemplifique.
4. o que são casas “autoconstruída” ?
5. O que é migração pendular? (pesquisa)
Prof. Luciano Mannarino.
[…] O debate sobre periferia, segregação e pobreza urbana (atividade) […]
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