Autonomia da UE significa margem de manobra para o resto do mundo na rivalidade China-EUA
22.out.2020 às 23h15
A União Europeia (UE) tem uma opção a fazer. Ou será um jogador ou será o gramado em que outros jogarão. Foi esta a mensagem do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, em dezembro de 2019, quando falava do renascimento da competição estratégica no cenário internacional. Mencionou a China, mas não apenas ela.
O ano de 2019 marcou mudança de tom da UE em relação a Pequim. Pela primeira vez, a Comissão Europeia passou a tratar a China também como um rival sistêmico. O rótulo impressiona, mas não resolve.
É difícil para a UE definir o que quer da China em função de diferentes tensões —e todas elas se tornaram mais agudas com a pandemia.

1) Há uma tensão entre valores e interesses na maneira como a UE vê a China.
Ao mesmo tempo, são vultosos os interesses europeus na China, que avança rumo ao topo do podium da economia mundial. O comércio bilateral supera US$ 1 bilhão por dia. Uma pesquisa da Câmara de Comércio da UE na China em fevereiro deste ano revelou que 89% das empresas europeias não estão considerando reorientar investimentos da China para outros mercados.
Muitas empresas vieram em função dos trabalhadores —mas ficaram por causa dos consumidores. Se a mão de obra barata era o incentivo inicial, hoje o mercado chinês, e sua classe média crescente, fazem a diferença. Na China desde 1978, a Volkswagen vende mais carros aqui do que em toda Europa ocidental.
Além disso, a UE precisa do engajamento chinês em outros temas que lhe são caros, como mudança climática e multilateralismo comercial. Rifar os chineses não ajuda a avançar essas agendas —ao contrário.

2) Há tensão entre as necessidades de países membros e a visão de Bruxelas.
Pressionados pela crise, governos nacionais buscam investimentos para promover recuperação econômica e modernização de infraestrutura.
Enquanto isso, a Comissão preocupa-se com a influência da China sobre economias da região. Atua para reforçar o controle sobre investimentos estrangeiros com base no argumento de segurança nacional.
No ano passado, quando a Itália se juntou à Nova Rota da Seda, Bruxelas torceu o nariz.
3) Há obviamente a tensão gerada pelos interesses americanos, que nem sempre coincidem os europeus a respeito da China.
A Europa sabe que agenda anti-China dos EUA, aliados históricos, não é exatamente o caminho que deve seguir.

Propriedade intelectual: esse capítulo do documento trata basicamente de questões relativas a fórmulas, processos e padrões que são utilizados por negócios para obter vantagem sobre a concorrência e que podem ser considerados confidenciais. Também engloba propriedade intelectual relacionada a produtos farmacêuticos, indicação geográfica de um bem ou serviço, marcas registradas e coação contra produtos pirateados e falsificados.
Na esteira da pandemia, a percepção sobre a China em vários países europeus despencou, segundo o Pew Research Center. 71% do alemães e 70% do franceses teriam hoje visão desfavorável da China.
À medida que a Europa mergulha numa segunda onda de casos de Covid-19 e que a China exibe autoconfiança e recuperação econômica, o ressentimento pode crescer. O contraste de uma Europa que desce e uma China que sobe exacerba tensões.
Se, como diz Borrell, a UE tem escolhas a fazer, a China também as tem. Suas habilidades político-diplomáticas serão postas à prova. Os chineses podem ter moderado o tom, mas é cedo para dizer que acertaram a mão. A tentação do discurso triunfalista está sempre à espreita.
Os europeus, por sua vez, precisam assegurar sua autonomia estratégica e fazer bom uso dela. A postura da UE diante da China e das tensões entre Pequim e Washington importa não apenas para o bloco, mas para todo o mundo.
A atuação da UE ajudará a definir a margem de manobra os demais países terão para navegar a competição geopolítica entre as duas grandes potências.
Tatiana Prazeres – Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.
Prof Luciano Mannarino