4.jun.2021 às 20h00
Carlos Graieb SÃO PAULO
Rota da seda. Gás e petróleo. Herança soviética. O Mar de Aral que está secando. Ditadores malucos. Rapto de esposas. Estepe. Montanhas. Para mim (e acredito que para um imenso número de pessoas), a Ásia Central era isso até a semana passada: informação fragmentada e sem ordem. A leitura de “Sovietistão”, da escritora e antropóloga norueguesa Erika Fatland, pôs fim a essa bagunça.
O livro é produto de oito meses de estadia nos cinco Estados centro-asiáticos que foram parte da União Soviética até 1991 e hoje existem de forma independente: Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão.

Como as melhores narrativas de viagem, esta consegue equilibrar perspectiva histórica e testemunho pessoal com grande habilidade. Assim, cada um dos cinco países se separa da massa indistinta dos “istãos”, que tiveram as diferenças aplainadas pelo regime soviético, e emerge com seu passado, suas etnias, suas paisagens e suas peculiaridades sociais e políticas delineados de maneira clara.
As distinções são necessárias, pois, como observa Fatland, os cinco países são “notavelmente dissimilares”. Enquanto mais de 80% do Turcomenistão é tomado pelo deserto, o Tadjiquistão é 90% montanhas. Enquanto o Cazaquistão nada em dinheiro, graças às suas reservas de gás, o Quirguistão depende em boa parte dos recursos enviados do exterior por gente que emigrou.
Se o Turcomenistão é uma ditadura tão fechada quanto a Coreia do Norte (os dois países, aliás, insistem que não tiveram nenhum caso de Covid-19 graças à sabedoria de seus governantes) e talvez ainda mais bizarra, o Quirguistão tem votações democráticas e já depôs dois presidentes.
As páginas em que Fatland expõe acontecimentos já distantes no tempo nunca são áridas. É assim, por exemplo, com sua explanação do “Grande Jogo”, a disputa entre os impérios britânico e russo que desenhou e redesenhou várias vezes o mapa da Ásia Central no século 19.
É assim também com sua análise histórica das empreitadas soviéticas que provocaram devastação ambiental. A autora visitou a região de Semipalatinsk, no Cazaquistão, onde o regime de Moscou realizou a maioria de seus testes nucleares no século 20. Esteve, igualmente, nos extremos norte e sul do antigo Mar de Aral, que teve sua água roubada por grandes obras de irrigação na era soviética.

Se a pesquisa dá estrutura ao livro, as experiências de Fatland lhe dão cor. A sorte a ajudou no Turcomenistão: depois de esperar horas debaixo do sol por uma corrida de cavalos que, todo mundo já sabia, teria o ditador Gurbanguly Berdymukhamedov como vencedor, ela o viu se estatelar no chão na linha de chegada.

No Tadjiquistão, ela participa de um casamento em uma aldeia remota e dedica belas páginas descritivas à cerimônia e à paisagem. E atenção, fãs de Borat: no Quirguistão, e não no Cazaquistão do intrépido jornalista do cinema, ela explora a prática do rapto de esposas entrevistando mulheres que se resignaram a ela —e uma que se rebelou.
Aquilo que Fatland não oferece é uma análise geopolítica mais ampla, que ponha os cinco países da Ásia Central em relação às potências econômicas e militares vizinhas, ou de outros continentes. A região está ensanduichada entre Rússia e China, mas apenas a ligação com a primeira recebe alguma atenção.
A maneira como o Sovietistão se encaixa nos planos econômicos e políticos da China nem é arranhada, embora seja o fator mais importante para o seu futuro. Para quem quiser acrescentar essa peça ao quebra-cabeças, sugiro a leitura de “As Novas Rotas da Seda”, de Peter Frankopan, que tem edição portuguesa.
Questões
De que forma os ventos da “perestroika” e da “glasnost” se ligam ao título do texto jornalístico?
Caracterizes cada um dos países da Ásia Central.
O texto cita um grande impacto ambiental nessa região. Explique por que isso vem ocorrendo.
Por que, no penúltimo parágrafo, o autor recorreu a uma palavra pouco usada para demostrar a situação geopolítica da região?
Prof Luciano Mannarino